quarta-feira, setembro 30, 2009
pela água
anjos, set 2009
quando o tempo se retorce nasce por vezes uma pequena cascata.
talvez não tão pequena, mas, proporcionalmente, claro eco de cataratas maiores e mais avassaladoras.
o dentro a ludibrar-se sem precisar de ajuda, a doçura calma que deixa um bicho enraivecido encerrado num qualquer compartimento flutuando na linfa, uma morte, a falta, o olhar em frente sempre disperso, sempre inquieto, sempre insuficiente.
e a cama recebe-me em dúvidas, o corpo em desconforto só buscando sono e anestesia para ser acordado de um soco.
pela imagem recorrente do teu outro corpo, pela primeira vez, depois de tanto tempo, era outro e eu não o queria.
essa derradeira e acre mistura com que me mataste, cheia de grânulos, as tuas costas nuas reflectidas no espelho do quarto errado, o teu corpo violador de si mesmo, homicida de ninguém mais e de mim também
e porquê de mim também? —a resposta que me fugirá sempre. a resposta que foste cobarde demais para me dar. quanto tempo passou já? falham-me os dedos a contar os furos no caminho.
como perdoar-te tamanho crime? como esquecer um amor tão grande usado para desmaterializar qualquer vida em redor pelas décadas seguintes?
como posso sonhar depois de ter perdido os sentidos de tudo?
como posso acreditar no sangue depois de uma morte pulverizada?
gostava de encontrar-te [nas] respostas,
mas sou um túnel de perguntas.
domingo, setembro 27, 2009
ding dong, the witch is dead!
mortinha da silva. e também a maioria absoluta. a subida do CDS, espero, foram as direitas que perceberam que a Manela não ia lá e perdido por cem perdido por mil. o Bloco vai ter um grupo parlamentar catita. e as esquerdas a maioria. e agora, as desculpas, foram-se? é agora que começamos a aprender como se faz uma democracia parlamentar? ou ai ai ai que sem maioria não se consegue governar?
[suck on it, babes. voto útil... voto útil my ass. tentei poupar a câmara de Lx ao Carmona e arrependi-me assim que deitei o voto. mais deslizes desses, como dizia o outro, jamé!]
sábado, setembro 26, 2009
sexta-feira, setembro 25, 2009
e alguém diz que apenas PS e PSD têm "vocação" para governar ou Já passa da meia-noite mas eu mudo a hora do post ou Curto bué títulos compridos
E que até têm sido responsáveis a governar, apesar dos erros. E eu fico a pensar que é precisamente esta noção generalizada que os faz rodar no poder há trinta anos. E em trinta anos pouco ou nada mudou nas mãos desses dois partidos no que toca a características estruturais herdadas do estado novo. E ambos, com umas razoáveis diferenças que se prendem com algum capital humano que faz a diferença, têm-se mostrado bastante claramente como braços políticos de classe, muito mais do que servidores da causa pública. Temos uma democracia formal, mas uma oligarquia prática, e graças à acção quer de PS quer de PSD. Nem tudo é mau. Temos uma Constituição bastante avançada — comunista, diz o Portas e a gente ri-se — e temos a imensa vantagem geográfica de estarmos aqui e haver sempre um certo comboio dos tempos com uns lugarezitos para nós na última carruagem antes dos vagões de carga — também era melhor, que estivéssemos ainda pior do que estamos.
A população portuguesa... bom, é mesquinha, pequenina, invejosa. Mas também há outro tipo de português, geralmente perde-se na falta de esperança ou salva-se de Portugal e pira-se, como o Jorge de Sena, ou, os sortudos, acaba por contentar-se com os pequenos nadas que fazem a vida, e vai tentanto iluminar os seus pequenos mundos, sobretudo se tem suficientes privilégios económicos e sociais para isso. Mas muitos, quase todos, quando recebem o poder não sabem o que fazer com ele, e rejeitam-no, como se o "fazer" trouxesse em si todo o peso da culpa de existir — o respeitinho é muito lindo, e cá vamos cantando e rindo.
E rende o arrivismo, o carreirismo, a total ignorância do que significa a palavra "política", do que é a polis, do que devemos uns aos outros precisamente porque não nos devemos nada uns aos outros. A democracia dá trabalho, e nós, mais do que preguiçosos, somos burros. E não gostamos que nos lembrem isso. E aí ficamos maus. E depois passa-nos. É uma petinga de rabo na boca.
A população portuguesa... bom, é mesquinha, pequenina, invejosa. Mas também há outro tipo de português, geralmente perde-se na falta de esperança ou salva-se de Portugal e pira-se, como o Jorge de Sena, ou, os sortudos, acaba por contentar-se com os pequenos nadas que fazem a vida, e vai tentanto iluminar os seus pequenos mundos, sobretudo se tem suficientes privilégios económicos e sociais para isso. Mas muitos, quase todos, quando recebem o poder não sabem o que fazer com ele, e rejeitam-no, como se o "fazer" trouxesse em si todo o peso da culpa de existir — o respeitinho é muito lindo, e cá vamos cantando e rindo.
E rende o arrivismo, o carreirismo, a total ignorância do que significa a palavra "política", do que é a polis, do que devemos uns aos outros precisamente porque não nos devemos nada uns aos outros. A democracia dá trabalho, e nós, mais do que preguiçosos, somos burros. E não gostamos que nos lembrem isso. E aí ficamos maus. E depois passa-nos. É uma petinga de rabo na boca.
quinta-feira, setembro 24, 2009
caixinha de comentários
[para o meu mano Possante]
o amor é secundário.
é o que contrabalança a terra e o sangue e a fuligem que somos.
o amor não é animal. só um animal o pode sentir e rebelar-se contra o esmagamento.
oa animais são estúpidos como o amor.
o amor pode nunca interferir com a respiração.
ou com a alimentação.
ou com o sono.
o amor é secundário.
há quem diga que deus é amor, mas eu não acredito em deus.
a energia não tem amor, tem calor.
o amor é quente.
a distância é fria. pode estar frio o amor.
o amor é secundário.
não há mais nada.
o amor é secundário.
é o que contrabalança a terra e o sangue e a fuligem que somos.
o amor não é animal. só um animal o pode sentir e rebelar-se contra o esmagamento.
oa animais são estúpidos como o amor.
o amor pode nunca interferir com a respiração.
ou com a alimentação.
ou com o sono.
o amor é secundário.
há quem diga que deus é amor, mas eu não acredito em deus.
a energia não tem amor, tem calor.
o amor é quente.
a distância é fria. pode estar frio o amor.
o amor é secundário.
não há mais nada.
terça-feira, setembro 22, 2009
segunda-feira, setembro 21, 2009
do frio
não sabe se lhe apetece.
o cinza espreita de um lado, do lado outro a luz ainda arroxeante, a colina iluminada por trás, recortada.
e o lugar nunca foi tão presente
ou as mãos tão quentes
e ela não sabe se lhe apetece.
não prende, não presa
há uma cova ainda só sua
um espaço vazio, um buraco negro uma rochosa antimatéria.
mais tem de generoso que de voraz pois se por respeito à vida recusa o sugar esperado
e lacrimeja.
não sabe se lhe apetece o calor.
o outono parece bem-vindo e traz em si o dedo apontado e dorido
— é tua a culpa do frio que eu sinto.
o cinza espreita de um lado, do lado outro a luz ainda arroxeante, a colina iluminada por trás, recortada.
e o lugar nunca foi tão presente
ou as mãos tão quentes
e ela não sabe se lhe apetece.
não prende, não presa
há uma cova ainda só sua
um espaço vazio, um buraco negro uma rochosa antimatéria.
mais tem de generoso que de voraz pois se por respeito à vida recusa o sugar esperado
e lacrimeja.
não sabe se lhe apetece o calor.
o outono parece bem-vindo e traz em si o dedo apontado e dorido
— é tua a culpa do frio que eu sinto.
sexta-feira, setembro 18, 2009
quinta-feira, setembro 17, 2009
frases estranhas que nos saem quando andamos perdidos nos aniversários:
Tenho a vida cheia de virgens.
[pssst... ouve.]
Ninguém É Quem Queria Ser - Foge Foge Bandido
de olhos na falésia
espera pelo vento
ele dá-te a direcção
dúvida inocente
as visitas diárias a este blogue há muito que não ultrapassavam as sessenta, quando há vídeos jeitosos. nos últimos dias ultrapassaram as cem, coisa que já não acontecia há algum tempo [sobretudo desde que alguns amigos se meteram no google reader e abriram uma janela sobre a janela... ;)]. 134, foi a contagem das últimas vinte quatro horas.
terá a ver com uma certa recorrência na sequência Žižek?
ora deixa lá fazer render: foda.
pronto, por hoje já está.
adenda:
descobri outra que por certo é mais eficaz: conas.
agora sim, vou dormir descansadinha.
terá a ver com uma certa recorrência na sequência Žižek?
ora deixa lá fazer render: foda.
pronto, por hoje já está.
adenda:
descobri outra que por certo é mais eficaz: conas.
agora sim, vou dormir descansadinha.
quarta-feira, setembro 16, 2009
hoje estou assim
com os tropeções na velocidade e tudo. com este ar trombudo de quem faz de conta que lhe custa o fígado estar ali e só sorri quando pega no banquinho e no violão para virar costas. vou, pela estrada que dá numa praia dourada, que dá num tal de fazer nada como a natureza mandou. e levo joana debaixo do braço, carregadinha de amor.
hoje acordei assim. com os metais, as cordas e os tropeções e tudo. e o banquinho.
hoje acordei assim. com os metais, as cordas e os tropeções e tudo. e o banquinho.
a resultante
e diz-me alguém que o que ele resmunga parece ser uma resultante das vozes, uma terceira voz que só ele ouve. nunca tinha pensado nisto assim. e delicio-me nos meus próprios limites. boa noite.
dos rótulos
bicho-do-mato.
pespineta.
luz.
caso de talento.
actor.
perfomer.
esperto.
estúpido.
músico.
cantor.
artista.
sereno.
histérica [não há homens histéricos, pois não? ah, pois, há as bichas.]
sensível.
fufa.
brutamontes.
bem-comportado.
pornográfico.
sedutor.
louco.
homem.
puto.
mulher.
puta.
intelectual.
magro.
gordo.
pode ferir a sensibilidade dos espectadores.
retrógrado.
esquerdelho.
escadote.
anão.
comuna.
bicha.
freak.
fumar mata.
drogado.
careta.
conas.
existencialista.
neo-realista.
surrealista.
calhariz, setembro de 2009
pespineta.
luz.
caso de talento.
actor.
perfomer.
esperto.
estúpido.
músico.
cantor.
artista.
sereno.
histérica [não há homens histéricos, pois não? ah, pois, há as bichas.]
sensível.
fufa.
brutamontes.
bem-comportado.
pornográfico.
sedutor.
louco.
homem.
puto.
mulher.
puta.
intelectual.
magro.
gordo.
pode ferir a sensibilidade dos espectadores.
retrógrado.
esquerdelho.
escadote.
anão.
comuna.
bicha.
freak.
fumar mata.
drogado.
careta.
conas.
existencialista.
neo-realista.
surrealista.
calhariz, setembro de 2009
segunda-feira, setembro 14, 2009
e depois ela disse:
— O que me fode é que isto continue a ser tudo sobre ti, uma vez que não deixa de ser sobre mim.
E depois calou-se um bocadinho. E então pontuou:
— Foda-se.
Porto, 12 de setembro de 2009
E depois calou-se um bocadinho. E então pontuou:
— Foda-se.
Porto, 12 de setembro de 2009
bleu — finale
Ainda que eu seja capaz de falar todas as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, as minhas palavras são como o badalar de um chocalho. Ainda que eu tenha o dom de falar em nome de Deus e possa conhecer os seus planos e saber tudo; ainda que eu tenha uma fé capaz de transportar montanhas, se não tiver amor, não presto para nada. Ainda que eu dê em esmolas tudo o que é meu; ainda que me deixe queimar vivo, se não tiver amor, isso de nada me serve.
O amor é paciente e prestável. Não é invejoso. Não se envaidece nem é orgulhoso. O amor não tem maus modos nem é egoísta. Não se irrita nem pensa mal. O amor não se alegra com uma injustiça causada a alguém, mas alegra-se com a verdade. O amor suporta tudo, acredita sempre, espera sempre e sofre com paciência. O amor é eterno. As profecias desaparecem; as línguas acabam-se; a ciência passa. Pois, tanto as nossas profecias como a nossa ciência são imperfeitas. Quando chegar aquilo que é perfeito, tudo o que é imperfeito desaparece. Quando eu era criança, falava como uma criança, sentia como uma criança e pensava como uma criança. Depois tornei-me adulto e deixei o modo de ser de criança.
Agora, vemos as coisas como num espelho e de maneira confusa. Depois, vemo-las frente a frente. Agora, o meu conhecimento é imperfeito, mas depois vou conhecer como Deus me conhece a mim. Agora existem três coisas: fé, esperança e amor. Mas a mais importante é o amor.
primeira carta aos Coríntios — 13 [atribuída a Saulo de Tarso, aka São Paulo], Bíblia Sagrada, edição interconfessional em português corrente, Novo Testamento
choro, logo sobrevivo
No meio do filme, durante a visita à casa do falecido marido, Julie vê a sua velha criada a chorar; quando lhe pergunta porquê, esta responde: "Porque a senhora não está a chorar!" Este comentário, longe de ser acusador, mostra como a velha e fiel criada está consciente da profundidade do desespero de Julie. O seu choro não funciona como "choro enlatado" (como o das mulheres pagas pelos familiares do morto para o chorarem publicamente em seu nome). Julie encontra-se num estado de choque tal que não só a deixa incapaz de chorar, como inclusivamente impede que alguém chore em seu lugar. Azul não é, pois, um filme sobre o luto, mas acerca da criação das condições para o luto. Só no último plano do filme, Julie consegue começar a fazer o luto. É o que acontece muitas vezes com as crianças pequenas: quando começam a chorar, podemos ter a certeza de que o impacto traumático do choque desagradável que sofreram já passou e que já estão a regressar ao normal. Antes de conseguir fazer o luto, Julie vê-se "entre as duas mortes", morta, estando no entanto viva.
(...)
O dito arguto de Lacan de que o despertar para a realidade é uma fuga ao real encontrado no sonho aplica-se particularmente bem ao acto sexual: não sonhamos com foder quando não somos capazes de o fazer. Fodemos para iludir e sufocar o excesso do sonho que, de outro modo, nos submergiria.
(...)
No final do filme, Julie reconstrói o quadro fantasmático que lhe permite "domesticar" este Real em bruto. O escudo protector desta fantasia está muito bem representado pela janela através da qual a vemos chorar no último plano do filme. Deste modo, Azul não é um filme sobre o lento processo de recuperação da capacidade de enfrentar a realidade, para imergir na vida social, mas sim um filme sobre a construção de um ecrã protector entre o sujeito e o real em bruto.
Slavoj Žižek, "A Teologia Materialista de Krzysztof Kieślowski", in Lacrimae Rerum, trad. Luís Leitão
(...)
O dito arguto de Lacan de que o despertar para a realidade é uma fuga ao real encontrado no sonho aplica-se particularmente bem ao acto sexual: não sonhamos com foder quando não somos capazes de o fazer. Fodemos para iludir e sufocar o excesso do sonho que, de outro modo, nos submergiria.
(...)
No final do filme, Julie reconstrói o quadro fantasmático que lhe permite "domesticar" este Real em bruto. O escudo protector desta fantasia está muito bem representado pela janela através da qual a vemos chorar no último plano do filme. Deste modo, Azul não é um filme sobre o lento processo de recuperação da capacidade de enfrentar a realidade, para imergir na vida social, mas sim um filme sobre a construção de um ecrã protector entre o sujeito e o real em bruto.
Slavoj Žižek, "A Teologia Materialista de Krzysztof Kieślowski", in Lacrimae Rerum, trad. Luís Leitão
domingo, setembro 13, 2009
ergo non
Na medida em que aceitarmos esta noção de relação sexual como referência absoluta, somos tentados a rescrever toda a história da filosofia moderna nos seguintes termos:
—Descartes: "Fodo, logo existo", isto é, só na actividade sexual intensa sinto a plenitude do meu ser (a resposta "descentradora" de Lacan a isto teria sido: "Fodo onde não existo, e não existo onde fodo", ou seja, não sou eu quem fode, mas "isso fode" em mim);
—Espinosa: Dentro do Absoluto enquanto Foda (coitus sive natura), devemos distinguir, no mesmo sentido da distinção entre natura naturans e natura naturata, entre a penetração activa e o objecto fodido (há aqueles que fodem e os que são fodidos);
—Hume introduz aqui uma dúvida empirista: como sabemos se a foda, enquanto relação, existe? Só existem objectos cujos movimentos parecem coordenados;
—Resposta kantiana a esta crise: "as condições da possibilidade de foder são ao mesmo tempo as condições da possibilidade dos objectos [da] foda";
—Fichte radicaliza esta revolução kantiana: foder é uma actividade incondicional que se postula a si própria e que se divide em fodedor e objecto fodido, ou seja, é o próprio foder que pressupõe o seu objecto, o fodido;
—Hegel: "é crucial conceber o Foder não só como substância (o impulso substancial que nos subjuga), mas também como sujeito (como actividade reflexiva inserida no contexto do significado espiritual)";
—Marx: devemos regressar ao foder real e rejeitar a filosofice masturbatória idealista, ou seja, nos termos literais em que o expressou na Ideologia Alemã, a vida real está para a filosofia, assim como o sexo real está para a masturbação;
—Nietzsche: a Vontade é, na sua expressão mais radical, a Vontade de Foder, que culmina no Eterno Retorno do "quero mais", de uma foda que prossegue indefinidamente;
—Heidegger: do mesmo modo que a essência da tecnologia não é nada "tecnológica", a essência do foder não tem nada a ver com a foda enquanto simples actividade ôntica; ou melhor, "a essência do foder é o foder da própria Essência", isto é, não somos apenas nós, humanos, que fodemos a nossa compreensão da Essência, é a Essência que já está em si mesma fodida (inconsistente, retraída, errante);
—e, finalmente, a intuição de como a própria Essência está fodida, leva-nos à expressão de Lacan "a relação sexual não existe".
Slavoj Žižek, nota 108 ao capítulo "A Teologia Materialista de Krzysztof Kieślowski", in Lacrimae Rerum, trad. Luís Leitão
Carmo, hoje de setembro de 2009
ou...
"Viver é foder."
João Ubaldo Ribeiro, in A Casa dos Budas Ditosos
—Descartes: "Fodo, logo existo", isto é, só na actividade sexual intensa sinto a plenitude do meu ser (a resposta "descentradora" de Lacan a isto teria sido: "Fodo onde não existo, e não existo onde fodo", ou seja, não sou eu quem fode, mas "isso fode" em mim);
—Espinosa: Dentro do Absoluto enquanto Foda (coitus sive natura), devemos distinguir, no mesmo sentido da distinção entre natura naturans e natura naturata, entre a penetração activa e o objecto fodido (há aqueles que fodem e os que são fodidos);
—Hume introduz aqui uma dúvida empirista: como sabemos se a foda, enquanto relação, existe? Só existem objectos cujos movimentos parecem coordenados;
—Resposta kantiana a esta crise: "as condições da possibilidade de foder são ao mesmo tempo as condições da possibilidade dos objectos [da] foda";
—Fichte radicaliza esta revolução kantiana: foder é uma actividade incondicional que se postula a si própria e que se divide em fodedor e objecto fodido, ou seja, é o próprio foder que pressupõe o seu objecto, o fodido;
—Hegel: "é crucial conceber o Foder não só como substância (o impulso substancial que nos subjuga), mas também como sujeito (como actividade reflexiva inserida no contexto do significado espiritual)";
—Marx: devemos regressar ao foder real e rejeitar a filosofice masturbatória idealista, ou seja, nos termos literais em que o expressou na Ideologia Alemã, a vida real está para a filosofia, assim como o sexo real está para a masturbação;
—Nietzsche: a Vontade é, na sua expressão mais radical, a Vontade de Foder, que culmina no Eterno Retorno do "quero mais", de uma foda que prossegue indefinidamente;
—Heidegger: do mesmo modo que a essência da tecnologia não é nada "tecnológica", a essência do foder não tem nada a ver com a foda enquanto simples actividade ôntica; ou melhor, "a essência do foder é o foder da própria Essência", isto é, não somos apenas nós, humanos, que fodemos a nossa compreensão da Essência, é a Essência que já está em si mesma fodida (inconsistente, retraída, errante);
—e, finalmente, a intuição de como a própria Essência está fodida, leva-nos à expressão de Lacan "a relação sexual não existe".
Slavoj Žižek, nota 108 ao capítulo "A Teologia Materialista de Krzysztof Kieślowski", in Lacrimae Rerum, trad. Luís Leitão
Carmo, hoje de setembro de 2009
ou...
"Viver é foder."
João Ubaldo Ribeiro, in A Casa dos Budas Ditosos
sábado, setembro 12, 2009
jigsaw
Jigsaw Falling Into Place - Radiohead
há melodias atípicas que quando sugerem um fim o fintam e outra e outra vez, qual escher subindo e descendo escadarias enquanto está parado num só degrau. mas vai haver um momento, tem de haver um momento, em que pára de vez, em que tem piedade e ou parte em vírus para outro hospedeiro ou abre um fosso sob esse degrau inesperado. mãos, pés e o coração tombam lá para dentro ou são sugados, desmaterializados.
sobretudo os pés.
quando deparo com a escadaria de onde creio fugir a cada tentativa inglória, penso que não te espero. espero-Me.
não consigo fazer melhor. e às vezes parece que não há como mudar o trajecto, porque o meu mapa ficou nas tuas mãos. mas algo se ganha mesmo quando nada se transforma. e a cada vez que me descubro como o meu pequeno saco de papel, a ansiedade fica com falta de ar. it's just my jigsaw falling into place, right into my hands.
sexta-feira, setembro 11, 2009
quinta-feira, setembro 10, 2009
a Incrível Tasca Móvel convoca Lisboa
esta noite, a partir das 21h30, os O'questrada tomam conta do Martim Moniz. Ou seja, não só da cidade, mas do mundo inteiro.
terça-feira, setembro 08, 2009
entrecortado
Marc Chagall, Dança dos ciganos
sketch para o bailado Aleko
- Sou. Tu sabes.
- Eu sei. Mas isto já não é acerca do que tu és, é acerca do que eu sou. O que tu és, é lá contigo.
- Então vou dançar.
(silêncio)
- Fazes bem.
freaky fucking amusing octaves.
namouche, setembro de 2009
there are people whose mere presence opens your doors and freezes your windy halls. and then you're just glad to look in, discover you have it, put it out and be up to them. and they are quite tall. ei i ai ou u. and then sushi. happiness is a small freaky octave.
sábado, setembro 05, 2009
You is nothing and still there is nothing but You 2.0
há a cara, aquela zona toda acima do pescoço onde achamos que mora a identidade, mas um morto é ainda reconhecível e no BI é também a ponta do indicador direito que deixamos. o eu é a identidade? é mais que isso? quão mais? será identidade assim tão pouco?
há aquela pergunta, recorre se não me falha: como é que a carne se transforma em espírito? mas está ao contrário, a pergunta, diz a vozinha dentro da minha cabeça-invólucro. se matéria é energia, então a pergunta está ao contrário. a não ser que a pergunta, científica por convicção, seja na realidade religiosa por inevitabilidade. de tanto querer fugir à noção de alma, trunca-se e cola-se-lhe. a matéria não é a origem, é um resultado. o cientista nega-se a si próprio se a negação se tornar mais importante do que a afirmação. a superstição materialista é quase tão supersticiosa como qualquer outra. mas sobretudo em relação com as outras superstições, é um forte inviolável.
e há a borboleta que justifica para a ciência a recusa do óbvio, que tira ao público o tapete que ele quer pisar, que instala a dúvida naquilo em que intimamente queremos acreditar: o amor e o eu.
e há o duplicado. o duplicado seguiu, o original ficou, o original é o excesso porque toda a memória, toda a história que fala do seu eu gramatical está a viver a experiência da sua vida, que lhe foi negada. mas na realidade o duplicado não está a viver esta experiência única de se saber duplicado e a mais, de se saber, sem sombra para dúvidas, o original. mas porque não surge essa sombra? será a carga simbólica que se põe numa aliança de casamento válida para desvalidar tudo? ou simplesmente, livrando-nos dela —da sombra— cremos resolver um problema dramatúrgico, porque realidades paralelas ou "uma vida, dois destinos" eram já outros quinhentos?
destes três pontos, foi a borboleta que me deu mais teatro, e esse lugar de dúvida entre o que é neurológico e o que extravasa, essa zona de névoa — palavra importante — é onde me está o teatro, o conflito entre a resistência e a fé. mas os autores não lhe dão a mesma importância.
não fiquei a morrer de amores pelo texto. é tímido, ocorre-me escrever. mas ia-me deitar sem tresvariar um bocadinho e não consegui. porque o espectáculo, o olho e os actores conseguiram trazer-mo a pontos em que ressoa. fiquem eles em que latitude do meu corpo ficarem.
Ego
de Mick Gordon e Paul Brooks
encenação de João Pedro Vaz
com Catarina Lacerda, Gonçalo Waddington e António Fonseca
Teatro Nacional D.Maria II — sala estúdio
até 11 de Outubro
há aquela pergunta, recorre se não me falha: como é que a carne se transforma em espírito? mas está ao contrário, a pergunta, diz a vozinha dentro da minha cabeça-invólucro. se matéria é energia, então a pergunta está ao contrário. a não ser que a pergunta, científica por convicção, seja na realidade religiosa por inevitabilidade. de tanto querer fugir à noção de alma, trunca-se e cola-se-lhe. a matéria não é a origem, é um resultado. o cientista nega-se a si próprio se a negação se tornar mais importante do que a afirmação. a superstição materialista é quase tão supersticiosa como qualquer outra. mas sobretudo em relação com as outras superstições, é um forte inviolável.
e há a borboleta que justifica para a ciência a recusa do óbvio, que tira ao público o tapete que ele quer pisar, que instala a dúvida naquilo em que intimamente queremos acreditar: o amor e o eu.
e há o duplicado. o duplicado seguiu, o original ficou, o original é o excesso porque toda a memória, toda a história que fala do seu eu gramatical está a viver a experiência da sua vida, que lhe foi negada. mas na realidade o duplicado não está a viver esta experiência única de se saber duplicado e a mais, de se saber, sem sombra para dúvidas, o original. mas porque não surge essa sombra? será a carga simbólica que se põe numa aliança de casamento válida para desvalidar tudo? ou simplesmente, livrando-nos dela —da sombra— cremos resolver um problema dramatúrgico, porque realidades paralelas ou "uma vida, dois destinos" eram já outros quinhentos?
destes três pontos, foi a borboleta que me deu mais teatro, e esse lugar de dúvida entre o que é neurológico e o que extravasa, essa zona de névoa — palavra importante — é onde me está o teatro, o conflito entre a resistência e a fé. mas os autores não lhe dão a mesma importância.
não fiquei a morrer de amores pelo texto. é tímido, ocorre-me escrever. mas ia-me deitar sem tresvariar um bocadinho e não consegui. porque o espectáculo, o olho e os actores conseguiram trazer-mo a pontos em que ressoa. fiquem eles em que latitude do meu corpo ficarem.
Ego
de Mick Gordon e Paul Brooks
encenação de João Pedro Vaz
com Catarina Lacerda, Gonçalo Waddington e António Fonseca
Teatro Nacional D.Maria II — sala estúdio
até 11 de Outubro
sexta-feira, setembro 04, 2009
quarta-feira, setembro 02, 2009
subtilezas da linguagem
Aqui na sala, como aliás é hábito em situações semelhantes, não sabemos se rimos mais do sócrates que só sabe que tudo sabe, do paulinho das feiras ou da dótora cunha e sá. A bidimensionalidade reina, e nós rendêmo-nos e rimos, pois, que remédio, not with them but at them. E de repente vem um daqueles momentos que valem ouro. Sócrates diz "nós temos mais polícias agora blá blá blá blá blá do que quando o senhor foi governo" e Portas logo, "não têm não, ah não têm não."
Quando se diz, falando de um Estado, nós temos isto e não temos aquilo, parece-me que a resposta espontânea quando há uma interpretação de comunidade e de serviço, de democracia real, seria "não temos não, não temos não". Afinal é de um país que se fala, do qual todos fazemos parte, eu como a dona Helena como a família Portas, certo?
pois...
Mas não é nada dessa treta da comunidade, do serviço, do povo, que está em causa. E bem dita espontaneidade do discurso, que descerra intenções, ambições e tutanos. Portanto a resposta é o que é: não têm não, os meus são mais que os teus, com esses eu não tenho nada a ver, foste tu que os arranjaste.
Pequenos pelinhos da linguagem...
Quando se diz, falando de um Estado, nós temos isto e não temos aquilo, parece-me que a resposta espontânea quando há uma interpretação de comunidade e de serviço, de democracia real, seria "não temos não, não temos não". Afinal é de um país que se fala, do qual todos fazemos parte, eu como a dona Helena como a família Portas, certo?
pois...
Mas não é nada dessa treta da comunidade, do serviço, do povo, que está em causa. E bem dita espontaneidade do discurso, que descerra intenções, ambições e tutanos. Portanto a resposta é o que é: não têm não, os meus são mais que os teus, com esses eu não tenho nada a ver, foste tu que os arranjaste.
Pequenos pelinhos da linguagem...
terça-feira, setembro 01, 2009
divergências significantes: a moral
[Uma história policial] mantém de certo modo presente o facto de a própria civilização ser o mais sensacional dos desvios e a mais romântica das rebeldias. Num romance policial, quando o detective, de uma forma um tanto estupidamente temerária, se vê sozinho perante facas e punhos no covil dos bandidos, isso serve certamente para nos fazer lembrar que é o agente da justiça social que constitui a figura original e poética, enquanto os ladrões e assaltantes são apenas velhos e plácidos conservadores cósmicos, felizes na respeitabilidade imemorial de macacos e lobos. [O romance policial] baseia-se no facto de a moral ser a mais negra e ousada das conspirações.
G.K. Chesterton, A defense of Detective Stories [trad. Luís Leitão]
G.K. Chesterton, A defense of Detective Stories [trad. Luís Leitão]
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