terça-feira, setembro 23, 2008

conversas de café: quem sai aos seus é de Campolide

Uma senhora reclama da democraticidade dos passes de estudante, quem tem dinheiro para pôr o filho a estudar num colégio, também tem para pagar o passe, andamos nós a pagar para eles. Consigo entender as suas razões, mas quem dera fosse esse o grande exemplo da má distribuição das benesses sociais e da justiça contributiva, às claras ou às obscuras. Mas pronto, a malta atira ao alvo que vê melhor, certo? E assim ficam os utilizadores do passe a espingardar entre si, em vez de espingardarem para o topo da pirâmide. É o que se quer, esta senhora não faz mais do que cumprir a sua função tapetoforme. Não consigo é perceber como é que a conversa vira para a autoridade dos professores, aparentemente também reduzida a 50%, como o preço do passe.

—No meu tempo a professora chegava e nós fazíamos duas filas, rapazes de um lado, raparigas do outro, para ela passar.

Gosto do tom de orgulho na voz; repito para mim própria, cala-te Manel, não tens nada a ver com a conversa, mas não me sai da cabeça que os alunos de hoje também fazem duas filas para deixar passar o professor... chama-se Corredor da Morte, é um jogo já antigo.

—A culpa não é dos miúdos, nem dos professores, a culpa é dos pais que não os educam —diz esta senhora que a meio da tarde está no café a deitar conversa, e ouvidos, fora. Alguém atalha:
—Os pais são todos diferentes, e alguns fazem o melhor que podem. A culpa é do Estado, que não dá condições para se acompanhar os filhos como deve ser.
—Ora, o Estado, o Estado, o Estado não tem nada a ver com o que se passa na minha casa!

Cala-te Manel, não lhe digas, que sorte, minha senhora, na minha casa o cabrão do Estado interfere p'a caraças...

—O Estado não tem nada a ver. Eu trabalhei a vida toda e nunca os meus filhos foram mal-educados para ninguém...

Chave de ouro. Encontro assim o Big Brother em pessoa num cafézito de Campolide. E fico ansiosa por conhecer os filhos desta senhora. Devem ser qualquer coisa... Espera, agora fiquei baralhada. A senhora, bem-posta, tinha idade para estar a falar dos passes dos netos, dignos representantes da geração de corrécios que aterroriza as escolas secundárias... hmmm... educados pelos seus filhos, portanto, hmmm... educados por ela, portanto. Hmmmm...

2 comentários:

Anónimo disse...

A do corredor da morte matou-me, passe a redundância e não passe social ;)

Manel disse...

Assim que a mulher disse aquilo, tive a imagem de uns quantos professores a quem não me teria importado de abrir esse tipo de alas, jajaja... Bonita fantasia. Nasci cedo demais, foi o que foi. E não havia telemóveis...