quarta-feira, setembro 24, 2008

as proporções — complexo de Cassandra 3.0

Não: plantai batatas, ó geração de vapor e de pó de pedra; macadamizai estradas; fazei caminhos de ferro; construí passarolas de Ícaro, para andar, a qual mais depressa, estas horas contadas de uma vida toda material, maçuda e grossa, como tendes feito esta que Deus nos deu, tão diferente do que a que hoje vivemos. Andai, ganha-pães, andai; reduzi tudo a cifras, todas as considerações deste mundo a equações de interesse corporal; comprai, vendei, agiotai. — No fim de tudo isto, o que lucrou a espécie humana? Que há mais umas poucas dúzias de homens ricos. E eu pergunto aos economistas-políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico. — Que lho digam no Parlamento inglês, onde, depois de tantas comissões de inquérito, já deve de andar orçado o número de almas que é preciso vender ao Diabo, o número de corpos que se tem de entregar antes do tempo ao cemitério para fazer um tecelão rico e fidalgo como Sir Roberto Peel, um mineiro, um banqueiro, um granjeeiro — seja o que for: cada homem rico, abastado, custa centos de infelizes, de miseráveis.

Logo, a nação mais feliz não é a mais rica. Logo, o princípio utilitário é a
mamona da injustiça e da reprovação. Logo...

There are more things in heaven and earth, Horatio,
Than are dreamt of in your phylosophy.


A ciência deste século é uma grandessíssima tola.
E, como tal, presunçosa e cheia de orgulho dos néscios.



Almeida Garrett, Viagens na minha terra, capítulo III, 1846

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