terça-feira, fevereiro 20, 2007

A verruga de Marilyn

O vírus veio como foi. Entre crono-extremos o tempo foi igual, leitoso, um dia depois do mesmo dia. Não avisou que vinha, comeu o que queria, não informou que ia. Uma gripe. Atípica, de repentes. Mas finda, finalmente extinta. Deixou um rasto. Ela pensava que era um rasto particular… enfim, este início é o fim de um ano difícil, e há impertinências cutâneas que se sentem mesmo como um expulsar de tudo o que de tóxico nunca deveria ter assentado morada. Nada como uma excrescência que alivia para sentir que as últimas toxinas foram finalmente expulsas, a zona de poluição concentrada que se alisa, a casa podre que se recupera, a mente confusa que desmiola um caminho e deixa subitamente de andar em círculos. Nada, ora. Pequenas novelas que desenrolamos para dar um sentido à história que em brasas fazemos sem compreender como.

Era só dela, o rasto, nem pensara nisso assim, mas assim se sentia. Olha, a Rute também tem um treçolho. Ficou-lhe do fim da gripe, como o teu. Mensageiro da banalidade… mas estava bem-disposta, e nesse dia soou-lhe a mensagem de solidariedade feminina. Mulheres deste mundo doente, expulsai tudo o que vos turva a alma. Parece que o Ricardo também, há três semanas que anda com o olho num enredo. Mau.

Epidemia. Tem um nome de código e um nomis vulgaris, nada que acrescente. Dizem os jornais que se transmite entre gatos domésticos que nunca se encontraram, passa para os donos, assenta em mulheres grávidas, tomou conta de olhos direitos sem conta, criou toda uma nova estética ocular à qual até a publicidade teve de adaptar-se. Muitos homens lhe fogem, traço feminino que se impôs logo ao nascer da epidemia e se sublinhou com a notória preferência por gestantes; machos feridos no olho do orgulho tentam escondê-lo, disfarçá-lo, cobri-lo, espremê-lo. As mulheres foram cercadas, no entanto, e forçadas à adaptação regressaram às capas das revistas, aos anúncios de cremes anti-rugas – mas não anti-verrugas –, aos reclames das sopas de pacote. E as malfadadas que se escaparam ao padecimento pintam agora tristemente a verrugazinha no canto do olho direito em desespero de causa, que já ninguém se lembra dos lábios de Marilyn.

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