terça-feira, fevereiro 06, 2007

Aterragem estupefacta no meio do Prós e Contras
ou
Questões de lógica


Desde quarta a trabalhar que nem moura que se preze em terras da Flandres, ou mais precisamente na terra nenhuma beckettiana, depois de passar meteoricamente por Lisboa e enfiada em novo quarto de hotel no Porto, agradeço a todos os que representam o SIM neste debate por me fazerem sentir menos alien, por me mostrarem que neste país há muita gente que recusa a alienação.

Por outro lado, tenho a agradecer ao Não umas boas barrigadas de riso...

Uma doutora Célia qualquer coisa, salvo o erro, acha que a prova de que o feto tem direitos superiores à mulher de cujo corpo depende, é que um filho de uma viúva não perde direitos, ainda que o pai tenha morrido quando a gestação ia ainda nas cinco semanas. Por outras palavras, a senhora acha que o que, em última instância, valida o nascimento de um filho é a proveniência paterna. Ou por outras palavras ainda, se calhar o estado, ao despenalizar a IVG, deveria torná-la obrigatória para as viúvas grávidas até às dez semanas. São estes argumentos que imortalizam as tiradas da Natália Correia: se os homens engravidassem, o aborto seria um sacramento. O que torna tudo ainda mais patético é o ter sido uma mulher a proferir tamanha bananada.

A seguir, o doutor Nuno Lobo Antunes acha que o estatuto autónomo do embrião e do feto é comparável ao da mulher de cujo o corpo depende porque o ser humano depende da atmosfera para sobreviver, logo por definição não tem qualquer tipo de autonomia. Um argumento de dimensão verdadeiramente bíblica, eu diria. Do qual se pode concluir que se deve penalizar a IVG porque morremos se formos à Lua sem fato de astronauta. Talvez se pudesse referendar o direito da Terra, essa tragica encinta, que llena de muertezitas no cessa de parir, essa grávida inconsciente e sem coração - ou será que o tem? - a castigar-nos com catástrofes naturais; talvez, como sugere o sempre genial Quino, pudéssemos pôr os solos em tribunal por não nos recompensarem com pés de milho gigantes se os regarmos com um combustível especialmente desenhado para uma super-ultra-mega-hiper-giga-potência; a castigar os oceanos pelos criminosos avanços que engolem populações inteiras; talvez uma bomba-H atirada para as crateras dos corrécios vulcões ainda em actividade. Pode, aliás, fazer-se a proposta bíblica, para dar com o argumento original, de se referendar dEus.

Por último, ou se calhar foi a primeira, já não sei, uma outra doutora diz, com umas deslavadas mentiras pelo meio, que o estado já tem algumas regras de protecção dos embriões excedentários, donde terá de defender a todo o custo um embrião que esteja nessa coisa anónima, sem rosto e sem vida própria que é o útero de uma mulher. Sim, porque são estas qualidades uterinas que se inferem do argumento. Novamente uma mulher. Uma mulher que não percebe qual é a diferença entre um tubo de ensaio e um útero. Entre um embrião num laboratório médico e um embrião dentro do corpo de uma mulher. Ou melhor dizendo, e vamos lá a ver se nos entendemos, caramba, dentro do corpo de uma pessoa.


O que está em causa... novamente: Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado? Se o Não ganhar, como muito bem lembrou o Daniel Oliveira, e se a vitória for vinculativa, isto é, 50%+1 voto, a lei actual fica consagrada por via referendária e torna-se praticamente impossível de mudar. Se o SIM vencer, o aborto passa da clandestinidade à luz do dia, da insegurança, da doença e da morte, à saúde, ao aconselhamento, ao planeamento, à prevenção.

Isto no que toca ao referendo. Porque nas mentalidades e na sociedade o que está em causa é facilmente deduzível da argumentação do Não. O conceito de mulher. O respeito pela autonomia da mulher como cidadã completa, em direitos e autonomia. O respeito pelo corpo, pelo espírito, pela individualidade e pela intimidade de cada mulher, mesmo das que votarão Não. É, como diz Júlio Machado Vaz, tirar a IVG dos tribunais e entregá-la aos hospitais, onde pertence. É uma questão política, sim. Porque cívica e civilizacional. Por isso, o único voto possível em consciência, honestamente, igualitariamente, democraticamente, é o SIM. Não há desculpas.

2 comentários:

MPR disse...

Sinceramente à meia noite desisti, achei que era melhor dormir...

Anónimo disse...

Nós aguentámos até à 1h da matina. Nem sei porquê... Para ouvir o júlio Castro Caldas dizer que algumas mulheres abortam por negócio!!!!??... Devo ser muito burrinha mesmo porque não atingi. Pera lá, vou mas é fazer o casting do "explica-me como se fosse muito burra"!!!

sara cacao