terça-feira, setembro 19, 2006

Ainda não ganhei dinheiro nenhum com esta treta dos anúncios do Google. Mas uma coisa é certa, de cada vez que faço um refresh tenho uma barrigada de riso. Esta última é de aproveitar, a mil, é a mil, ó fregueses! Seminário de Teologia; Formação de Pastor, Diploma e Credencial de Pastor reconhecido. Ensina-se como apelar ao diálogo ofendendo a mãe - ou neste caso, o pai - do oponente, dizer que se quer a paz por meio de vocabulário de guerra, abafar casos de pedofilia e puxar dos galões para escapar à justiça, escolher um chapéu ou combinar o sapato Prada com o cinto da sotaina. Ah não, espera, este também é pastor, mas o cajado é outro...

Seja como for, parece-me a oportunidade de uma vida... melhor que aqueles cursos de corte e costura por correspondência que costumavam chegar à caixa do correio quando eu era miúda e me faziam sonhar com a independência na ponta de uma tesoura - ainda por cima, as senhoras das fotos tinham todas um ar tão feliz, de quem tinha encontrado o sentido da vida. Eu também encontrei. Descobri que o ponto é em viés. E rebenta pelas costuras com uma facilidade que desaconselha garantias.

segunda-feira, setembro 18, 2006

Fotografar edifícios do Estado tunisino dá prisão...

...mas ter zoom, não.


Palácio presidencial, sobre as ruínas das Termas de Antonino
Cartago, 12 de Setembro de 2006
Mercado das cores







Nabeul, 8 de Setembro de 2006

A franja na encosta
Cor de laranja
Capim rosa chá
O mel desses olhos luz
Mel de cor ímpar
O ouro ainda não bem verde da serra
A prata do trem
A lua e a estrela
Anel de turquesa
Os átomos todos dançam
Madruga
Reluz neblina
Crianças cor de romã
Entram no vagão
O oliva da nuvem chumbo
Ficando
Pra trás da manhã
E a seda azul do papel
Que envolve a maçã
As casas tão verde e rosa
Que vão passando ao nos ver passar
Os dois lados da janela
E aquela num tom de azul
Quase inexistente, azul que não há
Azul que é pura memória de algum lugar
Teu cabelo preto
Explícito objeto
Castanhos lábios
Ou pra ser exato
Lábios cor de açaí
E aqui, trem das cores
Sábios projetos:
Tocar na central
E o céu de um azul
Celeste celestial


Caetano Veloso,Trem das Cores

sábado, setembro 16, 2006

Agnóstica, graças a dEus.

Grandes altercações - sim, porque em geral não é de debates que se trata -, se têm multiplicado, pela blogoesfera e não só, acerca das teorias da conspiração sobre o 11 de Setembro de 2001. Vejo gente a afirmar coisas a pés juntos de um e de outro lado, com o espírito combativo com que se defende um clube de futebol ou a banda filarmónica do bairro. Ultimamente, as vedetas são estes rapazes, que fizeram um documentário caseiro muito bem construído, honra lhes seja feita, e que a RTP2 passou há um dia ou dois. Provavelmente têm uma bela imaginação, prazer na dedução e gostam de sentir que não andam em rebanho, o que já não é pouco. Não acredito no filme, apenas permito que este me levante questões - entretanto, pelo menos, pensa-se sobre coisas que as teses oficiais fazem por ignorar. Nada de novo. Não começou com Bush, não acabará com Bush, nem tão pouco começou ou terminará na América. No entanto a escala alarga-se cada vez mais, assim como as mais diversas manipulações, e é imenso o poder que está em jogo no jogo da informação - ou do seu oposto.

Mas penso que defender inabalavelmente as teses oficiais sem cheirar o esturro das fracas investigações, das histórias mal-contadas, do lucro incalculável - material e ideológico - que a destruição do World Trade Center trouxe aos terroristas de um e outro lado, é tão ou mais ingénuo do que acreditar em documentários caseiros. Mais do que teorias de conspiração sobre implosões provocadas, aviões trocados, telefonemas falsos e suicidas que afinal estão vivos, intrigam-me as relações escuras entre os poderes mundiais, não necessariamente entre os títeres, mas entre os marioneteiros. E aos que se fiam nas qualidades humanas dos governantes - ah, não, não seriam capazes de sacrificar o seu próprio povo, por muitos e inconfessáveis interesses que tivessem [e que povo?, todo o Mundo trabalhava e passava pelo WTC todos os dias] - só digo que essa é a parte que menos me custa a crer. Mercê talvez da minha educação familiar marxista, habituei-me a considerar - e mantenho - que "o capitalismo não tem pátria". E creio, muito sinceramente, que é má ideia, e cegueira, esquecer esse pormenor.


Casa da Música, Porto
Foto de JL


O onze de Setembro é uma data duplamente negra. Santiago do Chile em 1973 - as vítimas de hoje são os terroristas de ontem, num ciclo interminável de onde ninguém quer sair [seria preciso arrumar os cachecóis das claques e abdicar de infinitas ambições] - e Nova Iorque em 2001. Aos que morreram num e noutro, bem como nas consequências intermináveis de cada um, devemos um pedido de perdão: por nada querermos aprender com o seu estúpido sacrifício.

sexta-feira, setembro 15, 2006

Da ressaca

Não fumo um cigarro desde que, sob o nome Mrs Manyel [era assim que estava impresso, adorei, adorei, adorei, o Mrs e o Manyel], embarquei no vôo 8592 da Tunisair e regressei a Lisboa. Não estou a dar-me mal. Mas hoje, quando vinha de um trabalho, meti uma pastilha elástica na boca e abri o cinzeiro do carro.
Porque gosto...

...de me lembrar de como me senti no deserto, há quatro dias atrás.


Tunísia, 11 de Setembro de 2006
Fotografia de P.

quinta-feira, setembro 07, 2006

Início de semana




Até já.

terça-feira, setembro 05, 2006

Quando veremos o óbvio oculto?


Sebastião Salgado, Criança ianomâmi em Lafakabuco, na serra dos Surucucus. Roraima, Brasil, 1998

Um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante
De uma estrela que virá numa velocidade estonteante
E pousará no coração do hemisfério sul, na América, num claro instante

Depois de exterminada a última nação indígena
E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida
Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias


Um índio preservado em pleno corpo físico
Em todo sólido, todo gás e todo líquido
Em átomos, palavras, alma, cor, em gesto e cheiro
Em sombra, em luz, em som magnífico

Num ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico
Do objeto, sim, resplandecente descerá o índio
E as coisas que eu sei que ele dirá, fará, não sei dizer
Assim, de um modo explícito


Virá, impávido que nem Muhammed Ali, virá que eu vi
Apaixonadamente como Peri, virá que eu vi
Tranqüilo e infalível como Bruce Lee, virá que eu vi
O axé do afoxé, filhos de Ghandi, virá


E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos, não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio

Caetano Veloso, Um índio
A culpa disto não é dos políticos; a culpa é de quem neles vota.

Ora nem mais, JL... mas custa-nos muito entender o óbvio quando o óbvio nos obriga à auto-reflexão. Dá muito trabalho e esta vida já é uma canseira, graças aos políticos que nós elegemos para nos f*lixarem a vida, de modos que ficamos neste estado amibal [e não animal], paralizados pela vida difícil que temos por nossa irra!sponsabilidade. Mas será que isto algum dia terá fim? A estupidez, quero dizer...


[suspiro... bem português, ai]

segunda-feira, setembro 04, 2006

Até para o ano, camaradas!

À tarde um filme brilhante, que vê para lá das imagens e nos leva numa amarga viagem a casa. Um olhar que penetra nos olhos e nos gestos de arquivos que pensamos mortos e nos relembra o que carimbou de medo um país que se sonha aberto e liberto, mas que teima em esquecer tudo o que deixou a meio, por medo, tudo o que enfiou cuidadosamente num buraco disfarçado, por medo, como os cravos no fim desta Natureza Morta, escondidos a medo. Susana de Sousa Dias ajuda-nos a encarar o medo que se nos cola à pele e a descobrir a coragem que tanto resistiu, que queremos que ainda resista. A descobrir a coragem para fazer um país. A coragem para ser Natureza Viva.



À noite, um serão íntimo com o Sérgio Godinho e seis belíssimos músicos, de novo num palco mais pequeno, de novo ali ao pé de todos, abraçado por todos, cantado por todos. E uma daquelas enchentes sem fim, ainda assim menor que a de ontem, uma gloriosa noite de sábado, para aproveitar o léxico sugerido pelas recentes relações com o senhor Vieira, hum, hum. Daquelas noites de fim de Festa em que me divido entre o prazer de ver tanta gente no recinto e a angústia de querer mexer e não poder, obrigada a marcar o passo em conjunto - o melhor é olhar para tudo como uma peça coral sinfónica, só assim sobrevivi à noite passada, em que fui passear no mar de gente.

Ainda e sempre, a grata sensação de que nem todos dormem. De que há quem não desista. Que pelo menos naqueles três dias há pessoas que contactam com uma forma diferente de ver o mundo, que talvez as enriqueça, que talvez as ajude a mudá-lo. No mínimo, que talvez as convide a pensar por si mesmas. Há debates, exposições e espectáculos que mantêm uma qualidade altíssima, mau-grado os obstáculos materiais que por vezes surgem [o som dos Taraf de Haidouks, minha mãe, um crime de lesa-música, não me aguentei para lá do terceiro tema], há a luz do final de Verão, há o Tejo ao fundo e mais olhos sorridentes por habitante quadrado do que é costume encontrar. Um cheirinho anual da tal natureza viva.




Somos gémeas, eu e a Festa, separa-nos uma semana no nascimento. As duas, eu e a festa dos comunistas portugueses, acabámos de completar trinta anos. Desde a segunda, em 1977, que a Festa faz parte do meu fim de estio e me desafia a lutar, a pensar, a concordar e a discordar. São pequenas coisas que me fazem feliz. Até para o ano!

domingo, setembro 03, 2006

Uma questão de escolha - nota de rodapé

Cada vez mais esta sociedade me permite escolher entre apertar uma porca quadrada ou apertar uma porca hexagonal. Não se pode dizer que seja grande escolha; sobretudo se o que eu quero é ir à pesca.

Manuel Gusmão, 2/9/2006, no Café-Concerto da Quinta da Atalaia, encerrando o debate "E a cultura?"

sexta-feira, setembro 01, 2006

Uma questão de escolha - adenda

Só porque acho que vale a pena postar...



Eu não acredito em dEus, mas acredito em católicos assim.
Uma questão de escolha


visto, naturalmente, no maravilhoso Post Secret

ou


e n'Uma certa enciclopédia, a do meu bem-regressado noivo [chinês]

?

Quem decide? Quem escolhe? Aqueles que, oficialmente, nem phodem? [a ler p-fodem, phodasse!]

quinta-feira, agosto 31, 2006

O humor

Este post do Max lembrou-me uma deliciosa alegoria que um saudoso colega da FCG gostava de contar. Já desde o estaladão radiofónico do senhor Acílio, padre da ICAR, me apercebi de que o acompanhamento de menores em risco da responsabilidade da santa madre multinacional me dá logo para a anedota, para o disparate, para a caricatura... não me levem a mal, pois só deste modo consigo evitar que me dê para o bombismo militante. O humor é o desespero bem educado, escreveu Boris Vian. E as duas funcionárias das Oficinas de São José, sacanas das intrometidas que acham que podem meter o bedelho numa instituição de funcionamento comprovadamente exemplar [Gi, Gisberta, tareia, fosso, homicídio, brincadeira de mau gosto, hã?], bem que precisam de rir. E então cá vai:

Um temerário passarinho recém-nascido, deixado por momentos sozinho no ninho, decide lançar-se no espaço e voar. Naturalmente, não consegue, e estatela-se no chão. Meio zonzo, apercebe-se que não conseguirá regressar ao ninho por si só e começa a tiritar de frio. Um cão que ali passava resolve ajudá-lo: pega no passarito e acomoda-o numa quente e fofa bosta que uma vaca deixara ali perto. Contente com o conforto tão generosamente providenciado pelo amigo canino, o passarito chilreia de contente. E canta e canta e canta do seu poiso quentinho. Atraído pelo jovem chilrear, aproxima-se um gato - naturalmente, o mau da fita -, saca da bosta o passarito e devora-o, não sem antes o sacudir um bocadinho, já se sabe que os gatos são animais de um asseio irrepreensível.

Moral da história:
-Nem sempre quem te deixa na merda te quer mal;
-Nem sempre quem te tira da merda te quer bem;
-E sobretudo, quando estiveres na merda está muito caladinho.

quarta-feira, agosto 30, 2006

Bluesy South American Way



O Miguel postou esta beleza de foto, a propósito do que chama "a moda de tango". Relembra o Miguel que o tango começou por ser dançado por homens. A hegemonia peniana de que tanto fala a Sara Cacao - que impedia [ia?] tantos comportamentos e liberdades às mulheres - ou a sexualidade reprimida que acompanha o ser humano desde há tanto e desde há tanto encontra desculpas para se exprimir, as razões misturam-se. A versão oficial é, obviamente, a primeira, a segunda uma intuição inescapável. Mas um dos grandes erros actuais - ou não, se esta moda tango de que fala o Miguel for como a moda salsa, que erros pode haver?; se se transforma uma música histórica e de fortíssimo carácter em som de elevador para os salões, há-de passar a moda e o tango regressa às quase clandestinas milongas que há mais de uma década se zapam por este fadista cantinho que tanto se identifica com o choro das Pampas - um dos grandes erros é reduzir o tango a uma música erótica, de jogo de poder entre dois parceiros, quando na realidade estamos perante a expressão do exílio e de um "mal de vivre" que se comprova não ser exclusivo das classes mais abastadas - La vida es una herida absurda, canta-se em La ultima curda, a bebedeira final. Entre homens, mulheres ou misto, o tango é uma das músicas mais populares e tristes do mundo, dorida da perda, emigrada, sangrada. Tudo sexo, apenas porque tudo vida, tocada, dançada e cantada das entranhas. No princípio não se cantava ou tocava bandoneón [Borges abominava o instrumento, aliás], no princípio era o sentimento de exílio e bebedeira das mais variadas comunidades imigrantes das duas margens do Río de La Plata - e isto também convém que se lembre -, no príncipio era o desenraizamento de comunidades de culturas hegemonicamente masculinas. Depois do francês Gardel vieram os mitos das Milonguitas e das Malenas, as mulheres que cantavam nos bordéis e tinham pena do bandoneón - a mulher ainda prisioneira ou puta -, veio a Rinaldi, veio Piazzolla, Ferrer e a sua María. Vieram os tangos proibidos pelas ditaduras. E Gardel, ainda hoje comentam os porteños, canta cada dia melhor.

As mais estranhas e belas flores nascem de terras revolvidas. E há muito que convém lembrar enquanto se enrosca a perna n@ parceir@ de milonga.

domingo, agosto 27, 2006

E dizia-me ontem a Violeta...

Amadurecer é aprender a ser uma criança melhor.




...

Que seas feliz como un neno, belesa.
Van de Schoonheid en de Troost

Of beauty and consolation, na SIC, um pouco quando calha, a partir das três quatro cinco da manhã. Uma verdadeira pérola. Daquelas que me fazem dizer que gosto de televisão. O episódio de ontem/hoje, com o Nobel da Literatura de 1986, Wole Solyinka, foi maravilhoso. Espero que em cada padaria do país haja uma televisão ligada enquanto se amassa o pão de mistura do dia, porque aquele horário é realmente para padeiros e insomnes. Já que esta gente tem de falar, aproveitemos que fala baixinho e arrumêmo-la na madrugada, onde poucos ouvidos darão por eles. É pena. É triste.


Wole Solyinka, n.Nigéria, 1934

Há noites em que sabe bem ser morcego.

terça-feira, agosto 22, 2006

Ligação directa

Sabe bem, muito bem, realizar um sonho de criança. Há segredos sagrados... pelo sim, pelo não.

sábado, agosto 12, 2006

Da iluminação das nações II

Olho por olho, e o mundo acabará cego.

-atribuído ao Mahatma Ghandi e/ou a Martin Luther King, dois dos poucos líderes inteligentes que o mundo conheceu - digo eu, que às vezes só tenho vontade de desatar ao soco a toda a gente.
Da iluminação das nações


Cartoon de Kal
Visto no Devaneios
Publicado no londrino The Economist

sexta-feira, agosto 11, 2006

Mr Boogie-man!...

O telejornal da RTP mostra alegremente uma reportagem na qual tenta demonstrar que em qualquer drogaria de bairro se pode comprar os ingredientes para fazer uma bomba caseira para fazer explodir aviõezinhos cheios de amigos, irmãos, pais, mães de alguém. Cuidado pessoal, está aí o Papão! Qual spot teleshop, o Telejornal público mostra o catálogo, diz onde comprar e até diz o preço. O Papão, malta, o Papão! Cerca de €39, parece que é o que custa. Até o sem-abrigo ali da arcada pode fazer umas poupanças para comprar, basta-lhe para aí um ano. Caralho, não me ouvem, está aí o Papão! €39, é verdade, e se ligar já tem 20% de desconto em todos os materiais e ainda recebe como brinde um lenço igual ao daquele senhor que chegou a ser o líder de um país em projecto e com futuro e acabou os seus dias quase de volta à condição de símbolo terrorista, Yasser, parece que se chamava assim. Vai-nos comer, o Papão, vai-nos comer a todos! Quando começa a segunda parte da reportagem, em que se demostrava como pode comprar a sua bomba no senhor Manel da esquina que lhe vende os piaçabas, a imagem começa a ondular, qual alucinação psicadélica e surge o cágado Rodrigues dos Santos, com os olhos entre o consternado e o surpreso, explicando-se com dificuldades técnicas. O Papão, então, e não nos mostram o Papão? As dificuldades técnicas, providenciais, cheiram-me a chuva de telefonemas de telespectadores portugueses com um mínimo de dois neurónios activos. E o Papão? E esta reportagem abjecta da RTP cheira-me a obscurantismo, a cultura do medo, a provincianismo inconsciente [se for consciente é ainda mais grave], a alimento de xenofobia, a intoxicação mental. O Papão, o Papão pode estar em qualquer lado, aquele gajo brasileiro que a polícia matou no metro de Londres por ser um bocado mais escuro, quem garante que ele não era um dos papões, também há árabes no Brasil! Qual o objectivo informativo de tal reportagem? Talvez publicidade à fita Tesa, para vedar cada frincha como hilariante defesa da guerra química, como se viu fazer pela América fora [a parte tosca, naturalmente]; talvez um empurrãozinho nas vendas de pó de talco para os atentados postais com antraz. O Papão pode ser o carteiro, o porteiro, o calceteiro, o meu vizinho, eu, caramba, eu posso ser o Papão!

Ainda não passaram, as dificuldades técnicas. Pode ser que desta ainda nos safemos de um Patriot Act.





Bu!

quinta-feira, agosto 10, 2006

Abundância

-Se eu me pusesse a frequentar todas as pessoas que acho simpáticas, a minha vida não bastava.
-Conhece assim tantas? Tem sorte.


Simone de Beauvoir, in O sangue dos outros, trad. Miguel Serras Pereira
Arrumos na selva II

Os gatos não gostam dos aspiradores. É compreensível. Um gigante que emite um contínuo ronronar ameaçador e que se o deixarmos aproximar nos suga ferozmente o pelo não é propriamente uma companhia agradável, sobretudo se recordarmos a mania chata do bicho em questão, a de vir transtornar o sono felino nos cantos mais privados da casa, com os seus meigos coices e a sua barulheira ensurdecedora. Ora, as cenas variam. Desde a fuga imediata em jeito de pantera, ao soprar e inchar para ficar do dobro do tamanho - coisa que, incompreensivelmente, dificilmente assusta o impertinente bicharoco.

O meu Sombra, habituado que está a que gatos diferentes de personalidades absolutamente díspares passem pela casa, o chateiem ou divirtam durante uns tempos e depois desapareçam como apareceram, já estabeleceu alguma proximidade com o aspirador. Não serão amigos, mas também não são propriamente antagonistas. Mas hoje, com este calor, o bicho foi deveras insuportável e inoportuno, perseguiu-o sem tréguas por cada canto mais frescote. O Sombra passou-se. Quando o bicho estava adormecido, de boca aberta, atacou-lhe a manápula insolente. De garras recolhidas, donde se pode dizer que o aspirador levou um belo par de galhetas. Mesmo assim, só acordou um bom bocado depois.

Isto preocupa-me. É que atacar alguém durante o sono não é coisa que se coadune com a nossa filosofia. Estou a ver que tenho de proibir o Sombra de sair para os telhados... não, já sei. Sombra Gomes, estás a partir de hoje proibido de ver televisão.
Arrumos na selva I

-Vive ali uma aranha relativamente grande... O que é que faço, mato-a? Ou deixo-a estar?
-Eh pá, é esquisito deixá-la estar, mas matá-la?... Não dá para a atirar pela janela, lá para trás para o jardim?
-Feito!

Bem... sempre é melhor ser despejada em vôo que assassinada na sua própria casa.
Chama-me nomes...

«A lésbica portuguesa parece ainda ter-se precipitado ao decidir adquirir a nacionalidade espanhola para poder casar. Mesmo que Portugal recusasse passar o certificado, tal não constituiria um impeditivo em Espanha. Num casamento formulado por um cidadão espanhol e um português, este certificado pode ser substituído por "uma declaração ajuramentada e solene do interessado".»

Esta é apenas uma das vezes em que nesta notícia se repete esta referência à mulher portuguesa que foi arbitrariamente impedida pelo consulado português de casar em Espanha. Não "a mulher", não "a portuguesa", não "a cidadã". A lésbica. Porque a lésbica isto, a lésbica aquilo. E além de lésbica é estúpida, porque se fosse uma portuguesa que se prezasse nem lhe teria passado pela cabeça fazer tudo legalmente, bastava um enganozito aqui, um logro acolá. Que lésbica sem patriotismo nenhum, caraças!


...

Pelo menos tem portão de saída, este aterro...

segunda-feira, agosto 07, 2006

Ide em paz, e que o senhor vos acompanhe as investigações no bairro.

-Boa tarrrrde, sou o elder *?+'# e este é o elder "#$%&, podemos entrar para conversar consigo um bocadinho?
-Entrar? [cof cof misturado com riso] Não vale a pena [a ler, "Não querias mai nada!..."], vai perder o seu tempo.
-Tem a certeza? É uma pessoa religiosa?
-Sim e sou, mas sou ateia.
-E posso perguntar em que é que acredita?
-Sim, mas isso demorava muito tempo a explicar e eu teria de vos convidar a entrar, o que não estava nada nos meus planos. [sai gato disparado corredor fora, saio eu atrás para o ir buscar] Olhe, acredito no meu gato, que está vivo, acredito em mim, acredito em si... e já não me parece que seja pouco.
-Já agora posso perguntar-lhe se vive nesta casa com a sua família?
-Sim sim, vivo eu e os meus seis maridos. Boa tarde.

quinta-feira, agosto 03, 2006

Onde está você agora? [É que eu só em pontas consigo ver seu cocuruto]

Caetano foi brilhante, ontem à noite na praça do CCB. É o mínimo que se pode dizer de alguém que com o violão e a voz fez música serena e entregue, curtiu, improvisou, até um pezinho de samba se soltou em Não enche, sem percussão, mas sempre agitando o sangue. Violão e voz. E toda uma história de grandes canções que está nas gargantas e nos pés de quem assiste. Com o repertório com que nos tem enchido os dias durante as últimas décadas, Caetano poderia fazer vinte noites como a de ontem, sem nunca repetir uma canção, e mesmo assim sobrava história para os nossos ouvidos. Por isso um concerto destes, violão e voz, sem álbum para promover, é uma deliciosa incógnita. Por isso, cada canção é um presente que não sabemos que vamos receber, embrulhado na voz de veludo elástico e nos dedos malandros, que arreliam e apaziguam o violão. Leãozinho, Você é linda, Trilhos urbanos [“pena de pavão de krishna, maravilha, vixe maria mãe de deus, será que esses olhos são os meus?”] , Coração Vagabundo, Desde que o samba é samba, Sampa [“é que narciso acha feio o que não é espelho”], um fantástico Qualquer coisa e todos ficámos para lá de Marraquexe, a maravilha porteña que é Volver, o ecuménico Terra [“quando eu estava preso na cela de uma cadeia é que eu vi pela primeira vez as tais fotografias em que apareces inteira, porém lá não estavas nua e sim coberta de nuvens...”], o forró da Luz de Tieta sem que o público tenha, como é tradição, começado a gritar “Eeeeta, eta eta eta!!!!!” fora de sítio. E no entanto...

No entanto, um concerto não é um disco ao vivo. Uma plateia infindável de cadeiras ao preço do ouro, um palco baixo, colunas de som apenas à frente, e os plebeus que ficaram em pé, cá atrás, arrotando 20 euros por um bilhete que lhes permitiu apenas ver cabeças e costas – vá lá, entre um pescoço e uma cabeleira loira lá consegui descortinar que o homem estava mesmo no palco – e ouvir mal e às vezes nada do que Caetano disse no único momento em que falou com o público. Não tenho outras palavras para o que o CCB montou na sua praça central ontem à noite: um logro, um roubo, uma falta de respeito por público pagante. No final de uma noite em que um grande músico nos ofereceu o que de mais íntimo sabe fazer, só me apetecia cantar bem alto aos ouvidos da direcção do CCB uma canção de outro repertório: “Quero o meu dinheiro de volta! Tanta gente a dar-me a volta, não foi p’ra isto que eu vim cá. Quero o meu dinheiro de volta, não é tarde nem é cedo, quero o meu dinheiro já!”

Mas Caetano continua lindo, mais que demais, num glorioso e sereno envelhecimento.