segunda-feira, setembro 04, 2006

Até para o ano, camaradas!

À tarde um filme brilhante, que vê para lá das imagens e nos leva numa amarga viagem a casa. Um olhar que penetra nos olhos e nos gestos de arquivos que pensamos mortos e nos relembra o que carimbou de medo um país que se sonha aberto e liberto, mas que teima em esquecer tudo o que deixou a meio, por medo, tudo o que enfiou cuidadosamente num buraco disfarçado, por medo, como os cravos no fim desta Natureza Morta, escondidos a medo. Susana de Sousa Dias ajuda-nos a encarar o medo que se nos cola à pele e a descobrir a coragem que tanto resistiu, que queremos que ainda resista. A descobrir a coragem para fazer um país. A coragem para ser Natureza Viva.



À noite, um serão íntimo com o Sérgio Godinho e seis belíssimos músicos, de novo num palco mais pequeno, de novo ali ao pé de todos, abraçado por todos, cantado por todos. E uma daquelas enchentes sem fim, ainda assim menor que a de ontem, uma gloriosa noite de sábado, para aproveitar o léxico sugerido pelas recentes relações com o senhor Vieira, hum, hum. Daquelas noites de fim de Festa em que me divido entre o prazer de ver tanta gente no recinto e a angústia de querer mexer e não poder, obrigada a marcar o passo em conjunto - o melhor é olhar para tudo como uma peça coral sinfónica, só assim sobrevivi à noite passada, em que fui passear no mar de gente.

Ainda e sempre, a grata sensação de que nem todos dormem. De que há quem não desista. Que pelo menos naqueles três dias há pessoas que contactam com uma forma diferente de ver o mundo, que talvez as enriqueça, que talvez as ajude a mudá-lo. No mínimo, que talvez as convide a pensar por si mesmas. Há debates, exposições e espectáculos que mantêm uma qualidade altíssima, mau-grado os obstáculos materiais que por vezes surgem [o som dos Taraf de Haidouks, minha mãe, um crime de lesa-música, não me aguentei para lá do terceiro tema], há a luz do final de Verão, há o Tejo ao fundo e mais olhos sorridentes por habitante quadrado do que é costume encontrar. Um cheirinho anual da tal natureza viva.




Somos gémeas, eu e a Festa, separa-nos uma semana no nascimento. As duas, eu e a festa dos comunistas portugueses, acabámos de completar trinta anos. Desde a segunda, em 1977, que a Festa faz parte do meu fim de estio e me desafia a lutar, a pensar, a concordar e a discordar. São pequenas coisas que me fazem feliz. Até para o ano!

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