quarta-feira, agosto 30, 2006

Bluesy South American Way



O Miguel postou esta beleza de foto, a propósito do que chama "a moda de tango". Relembra o Miguel que o tango começou por ser dançado por homens. A hegemonia peniana de que tanto fala a Sara Cacao - que impedia [ia?] tantos comportamentos e liberdades às mulheres - ou a sexualidade reprimida que acompanha o ser humano desde há tanto e desde há tanto encontra desculpas para se exprimir, as razões misturam-se. A versão oficial é, obviamente, a primeira, a segunda uma intuição inescapável. Mas um dos grandes erros actuais - ou não, se esta moda tango de que fala o Miguel for como a moda salsa, que erros pode haver?; se se transforma uma música histórica e de fortíssimo carácter em som de elevador para os salões, há-de passar a moda e o tango regressa às quase clandestinas milongas que há mais de uma década se zapam por este fadista cantinho que tanto se identifica com o choro das Pampas - um dos grandes erros é reduzir o tango a uma música erótica, de jogo de poder entre dois parceiros, quando na realidade estamos perante a expressão do exílio e de um "mal de vivre" que se comprova não ser exclusivo das classes mais abastadas - La vida es una herida absurda, canta-se em La ultima curda, a bebedeira final. Entre homens, mulheres ou misto, o tango é uma das músicas mais populares e tristes do mundo, dorida da perda, emigrada, sangrada. Tudo sexo, apenas porque tudo vida, tocada, dançada e cantada das entranhas. No princípio não se cantava ou tocava bandoneón [Borges abominava o instrumento, aliás], no princípio era o sentimento de exílio e bebedeira das mais variadas comunidades imigrantes das duas margens do Río de La Plata - e isto também convém que se lembre -, no príncipio era o desenraizamento de comunidades de culturas hegemonicamente masculinas. Depois do francês Gardel vieram os mitos das Milonguitas e das Malenas, as mulheres que cantavam nos bordéis e tinham pena do bandoneón - a mulher ainda prisioneira ou puta -, veio a Rinaldi, veio Piazzolla, Ferrer e a sua María. Vieram os tangos proibidos pelas ditaduras. E Gardel, ainda hoje comentam os porteños, canta cada dia melhor.

As mais estranhas e belas flores nascem de terras revolvidas. E há muito que convém lembrar enquanto se enrosca a perna n@ parceir@ de milonga.

2 comentários:

Anónimo disse...

Estou para aqui a ouvir o "Diferente" e dou de caras com esta fotografia lindíssima... :)
Não tenho tempo agora para ler o que escreveste porque estou aqui de passagem a correeeeer... Depois venho cá. ;)

K. disse...

Que bonito... e que saudades dos tangos em salas poeirentas da velha Madrid, eu que nao sei dançar bem recordo sempre aqueles fins de tarde passados numa insólita felicidade.

Aqui em Barcelona só fui a um baile de sardana, mas como sou um nostálgico incurável nao consegui gostar tanto.