terça-feira, março 06, 2007

Well, tough, your life is worthless. So what?



Richard Dawkins não é um papa, um pregador, um profeta. É um pensador ateu. Claro e apaixonado, confortável na dúvida, desconfortável no conforto fácil. William Crawley é um brilhante interlocutor, na melhor acepção do simpósio filosófico, não baixa as armas nem ataca, contrapõe e desafia de modo inteligente e sem reverências. E assim faz um belíssimo programa de televisão.

Coloco aqui este vídeo por um sem número de razões. Acima de tudo porque é absolutamente consolador assistir a uma discussão deste calibre, com esta qualidade de parte a parte, com esta capacidade de ouvir o outro, de pensar, de contradizer, de motivar. E depois porque sou ateia, e quanto mais religiosa me sinto mais ateia me assumo. Porque me sinto parte de um todo, porque sei que sou feita da mesma matéria-base que os meus fellow-humans, fellow-animals, fellow-rocks, fellow-plants, fellow-oceans. Sabemos já muito acerca das nossas origens e evoluções, tudo, naturalmente, descodificado na nossa linguagem, nas mais diversas linguagens que a nossa consciência de humanos criou. Mas esse muito é nada. E tudo o resto é incógnita, mistério, assumpção. E não posso, por isso não quero, chamar deus a esse mistério, não posso, por isso não quero, chamar deus a isso que sinto que nos une a tudo. "Deixa de ser antropomórfica", diz-me a minha querida e católica e brilhante Raquel. Mas não sou eu que sou antropomórfica. É a palavra deus e a consciência que é atribuída ao conceito, são elas que são antropomórficas. Têm uma história, têm milénios de histórias, de contos, de mitos, de lendas, de mentiras. Einstein, como refere Dawkins, usou a palavra "deus" para falar desse absoluto, sem a conotação antropomórfica. Não me arrogo poder julgar a sua opção, eu, mera pulga intelectual face a um génio de tal calibre. Mas para mim, essa opção não é válida. A palavra deus, para a quase totalidade dos crentes, implica uma voz, uma sarça ardente, um dedo criador, um triângulo na cabeça, uma pomba branca por mensageiro, uma consciência e uma hierarquia. Tudo coisas absolutamente humanas. O que faz com que me sinta desonesta se atracar tal palavra à minha noção daquilo que nos religa a todos.

Somos, pela nossa consciência, um animal auto-centrado. E criámos os nossos deuses à nossa própria imagem. Mas numa coisa não há volta a dar-lhe. Re-re-citando Russell [que Dawkins cita e que Luís Grave Rodrigues, que no Random Precision me deu a conhecer este vídeo, também cita], not enough evidence, God, not enough evidence. E para mim uma coisa é a religião. Outra, talvez paralela, mas não consubstancial, é a poesia. E as suas humanas metáforas.

21 comentários:

MPR disse...

Em algumas coisas ele é demasiado simplista. Quando insiste que o conflito na Irlanda do Norte seria resolvido se as crianças não tivessem em escolas separadas é, no mínimo, ingénuo. A ligação entre o Darwinismo e o ateísmo é bastante rebuscada. A ligação entre Fé e loucura então é de uma arrogância incrível, ele diz eu não acredito, logo eu estou certo, logo o mundo é uma besta! Não se pode provar a existência de Deus mas também não se pode provar que não existe. É impressionante que ele chame louco à grande maioria da população mundial que acredita em alguma religião. Negar que um homem de ciência possa ser religioso é ser cego, é confundir duas coisas que não são equiparáveis. E depois fala de teorias (como a existência de diversos universos) que não fogem assim tanto da Fé religiosa. Não há forma de provar que esses universos existem, tal como não há prova de provar se Deus existe. E mesmo assim ambos podem coexistir. Não há descoberta nenhuma que possa provar que Deus não existe. Achar uma coisa ou outra é sempre uma questão de Fé.

Manel disse...

Não concordo. Mas antes de explicar por que razão não concordo, preciso de saber do que falas quando falas em "Deus", assim, com letra maiúscula e tudo.

De qualquer modo, tudo aquilo de que falas é rebatido pelo entrevistador, e muito bem explicado pelo entrevistado, que tem nitidamente a noção de que está a mexer em terrenos melindrosos. Quando chega ao fim ele deixa bem claro que não sabe se a sua verdade é verdadeira, não tem garantias, e até pode ser Zeus ou Baal quem o receberá nessa vida para além da morte que todos garantem.

Quanto ao Darwinismo, aconselho uma passagem pelas teorias creacionistas que estão a tentar impôr-se. Indicam bem que uma coisa não está assim tão desligada da outra, bem pelo contrário.

Mas precisava mesmo que me esclarecesses, para perceber o que estamos a discutir: dizes que não há modo de provar que deus não existe. Mas do que falas tu, quando falas de deus?

MPR disse...

Falo de todo e qualquer tipo de crença religiosa que possas ter. Seja um deus católico, muçulmano, sejam os diversos deuses da antiguidade, ou apenas a sensação de que existe algo, ou alguém que criou o universo e/ou vela por nós. Não se consegue provar ou negar categóricamente nenhum tipo de Fé, seja ela qual for.

Manel disse...

Compreendo muito bem esse argumento, e ao longo dos meus anos tenho pensado muito nele e compreendo quem nele encontra razões para o agnosticismo. Mas o que me faz definir-me como ateia é mais do que fé na não existência de alguma coisa: pelo contrário, como digo no post, há demasiada coisa que nos transcende e nós somos apenas humanos. Pelas mais diversas razões, e historicamente com base na ignorância que é natural num simples animal, pequeno elemento finito num universo colossal, criámos fábulas para explicar o inexplicável, e isso é um facto histórico. Dawkins fala nisso quando refere as concepções geocêntricas, por exemplo, o creacionismo por sua vez também se enraíza na ignorância. Eu tenho sempre presente a minha avó que achava que as trovoadas eram castigo divino e se fechava na casa de banho às escuras, concerteza achando que assim deus não a encontraria para a castigar pelos seus pecados. Não preciso que me digam que encontraram um esqueleto gigantesco a flutuar no espaço e portanto dEus morreu. Não tenho fé na não existência de qualquer coisa, apenas não acredito numa consciência, num desenho inteligente, num big brother espiritual. Não acredito em fábulas criadas pela necessidade de consolo do insignificante ser humano, dotado de uma consciência que tantas rasteiras lhe prega e perdido num mundo que tantas vezes é incapaz de compreender. O ateísmo não é uma teoria, muito menos uma teologia ou uma ideologia acabada, as confissões religiosas é que o são. Novamente, têm o direito de o ser. Não têm o direito de se impôr nem de segregar - e é nesse sentido que ele refere a questão irlandesa.

Lembro-me sempre do que dizia o meu pai: se me dizes que está ali uma vaca és tu que tens de provar que está ali uma vaca, não sou eu que tenho de provar que não está. Not enough evidence, not enough evidence... Isto para ser ainda mais simplista que o Dawkins. ;)

Muitos crentes amigos me têm acusado de querer ver tudo explicado, de não saber viver com o que não se explica. Eu penso precisamente o contrário: não preciso de contos, por milenares que sejam, a quererem convencer-me daquilo que eles próprios não sabem. Vivo melhor com a dúvida do que com a falsa certeza, e nisso identifico-me plenamente com o Dawkins. Penso que o sentido da vida passa também por aprender a viver com a nossa insignificância e a nossa solidão. Dou, no entanto, todo o valor filosófico, metafórico, poético, a esses contos. São reveladores do mais profundo da psicologia humana, e os seus mecanismos e personagens tocam-se proximamente ao longo dos séculos e transversalmente às diversas confissões. Será que dizem algo sobre deus? Eu penso que dizem muito, mas sobre o Homem.

Pá, obrigada pelos comentários e pela conversa [que não sei se fica por aqui, se não ficar, ainda bem]. Nas Trutas estava mal habituada, às vezes era 100 comentários num post, e estranho um bocado o silêncio dos visitantes deste blog. E é um gosto, conversar assim. Salve! :)

MPR disse...

Em primeiro lugar deixa-me dizer-te que não sou católico, nem acredito em Deus, nunca fui baptizado, nem sigo nenhuma Igreja. Mas a existência de Deus é uma questão de Fé, não de prova. Se fosse uma questão que se pudesse provar para um lado ou para o outro seria do domínio da ciência e não da religião. O que eu digo é que como é uma questão de Fé nunca deve ser tratada com um olhar clínico, porque é tão absurdo o sim categórico como o seu inverso. A Fé não tem base a não ser ela própria, e isso tem imensa força. Todos temos fé em algo. Eu tenho fé por exemplo, que casais homosexuais deviam poder adoptar, mas não tenho provas, se calhar os seus filhos viravam todos homicídas psicóticos. Tenho fé que a minha mulher me ama, que sou filho dos meus pais, que os meus amigos não o são por interesse. Mas não tenho provas concretas, vou tendo indícios, mas toda a fé tem indícios. A maior prova de fé é dada na Física de ponta, onde se formulam teorias e cálculos avançadissimos que não consegues provar na práctica, é a fé que move esses cientistas. Ter fé que existe algo para além do plano que conhecemos é tão ridículo como ter fé em qualquer outra coisa. É impossivel que Deus exista? Dizer que sim é tambem um acto de fé.
Quanto à Irlanda, é uma questão de invasores e invadidos,não é religiosa. A segregação existe no mundo, religiosa, rácica, social, cultural, sexual ou seja qual for e dizer que eliminar os rótulos religiosos eliminaria a segregação é ingénuo. No Ruanda os Tutsis e os Hutus nem se destinguiam a olho nu e os massacres foram brutais.
A religião não é o mal universal. E vamos supor que é verdade, que deus não existe. Qual é o problema de viver com o conforto de sentir que há alguem a velar por nós?

Manel disse...

Bom, acho que a fé, para ti, é algo muitíssimo lato, e se me permites dizê-lo, colocas no mesmo saco coisas que pertecem a sacos diferentes. Uma coisa é a fé, outra a esperança, outra a intuição, outra ainda as conjecturas [nomeadamente as conjecturas científicas e matemáticas]. Aceitar que o imponderável existe e que temos de "arriscar" em algumas coisas é bem diferente do que assentar em dogmas, em coisas que não se podem discutir sob pena de desmoronarem. Não tens provas de que adopção por homossexuais resulte? Ora, então e a quantidade de famílias homoparentais que existe, não são indício suficiente? Não há observações sociológicas e psicológicas de sobra? É bem diferente de ter fé. Uma conjuntura matemática por vezes pode estar apenas baseada na capacidade e nos conceitos lógicos de quem a concebe, mas está aí para ser contradita discutida e desmentida, coisa que a fé confessional, por defeito, recusa. Com esse argumento, precisamente, de que a fé não exige provas.

Quanto à Irlanda, são várias as questões: Dawkins fala de uma, a segregação e o ódio - e aí a fé toma o lugar da raça, como ele próprio diz.

A religião não é, para mim, o mal universal. Até porque, e isto é muito difícil de explicar, considero que de facto fazemos parte de um todo, donde o conceito de "religação" faz todo o sentido para mim. Não vejo a arte, e na realidade todas as ciências, de outra forma: são mecanismos de auto e hetero-questionamento e consequentemente, de ligação connosco próprios e com o que nos rodeia.

O que é, sem dúvida, um mal universal, é a utilização das fragilidades humanas para a hierarquização, para a manipulação, pelo poder. E aí sim, penso que as religiões organizadas, as poderosas confissões que se usam, aliam e transformam em poder humano, são um imenso mal universal. Penso, como Kierkgaard, que a fé é uma questão pessoal, a espiritualidade é absolutamente individual. E que não há paralelo no tamanho das mentiras que resistem milénios e manipulam milhões. E mais, penso que a fé se discute, sendo uma peça tão básica e profunda do puzzle do homem. Gosto de pensar que a filosofia serve para alguma coisa.

MPR disse...

Uma coisa é fé, outra coisa são dogmas, igreja, teologia, ou o que for. O que se discute é a posição da Igreja (ou igrejas) neste ponto ou naquele, se a biblia (para falar de uma religião mais próxima de nós) é intrepretada desta ou daquela maneira, questões ligadas à forma de expressar a fé, ou de organizar a mesma. Mas a Fé, como tal, não é discutivel nem requer prova. É essa a sua definição. Pode-se divagar sobre as questões sociais, pessoais, dissecar as religiões das mais diversas formas, aliás nada é mais discutido que isso. Mas a fé é maior e exterior aquilo que a envolve. A crença em Deus não deve ser confundida com pertencer a esta ou aquela religiao, que é uma situação social e não espiritual.
Quanto aos exemplos que dei, mantenho-os. Mesmo nas teorias cientificas existem inúmeras discussões com homens brilhantes a defender o seu lado, cada qual com argumentos irrepreensiveis. O que leva a que ninguem ceda aos argumentos do outro? A crença na sua Verdade. Isso é fé. Fé é acreditar em algo que não pode ser provado. O amor entre duas pessoas baseia-se apenas em fé. Eu usei estes exemplos apenas para argumentar que chamar doidos a quem acredita em deus é algo que não faz sentido. Nós temos actos de fé diários. Porquê condenar este?
A mentira e a manipulação leva a enormidades. Fizeram-se horrores em nome da fé. Mas isso é a utilização indevida da mesma. Dawkins vai além disso nas suas afirmações (apesar de se ter acalmado na entrevista), ele condena a fé por si só, como sendo um mal independentemente da sua utilização. E isso é indefensável. A barbárie existe, as suas fundamentações são as mais variadas. O problema central não é a fé, mas sim o conceito de Nós e Eles, que é usado como forma de abuso, de segregação e conflito. Mas tudo isto é exterior ao que se discute aqui. A fé em deus.

MPR disse...

Um pequeno aparte, o ser humano é um animal social. A sua vivência é feita, a todos os níveis, em sociedade. A sua felicidade e sobrevivência depende disso (na esmagadora maioria dos casos). Como tal é natural que a sua experiência com o espiritual, o transcendental seja também uma experiência colectiva, social. A religião organizada é algo que pode mudar e evoluir, mas nunca ser extinto, faz parte da necessidade individual do Homem. Viver a Fé, não se limita a rezar sozinho no quarto...

Manel disse...

Não, de facto viver a fé, vezes demasiadas, implica lutar por ela e tentar fazê-la valer acima de outras, com tudo o que isso arrasta. Donde estás a entrar em contradição, porque tentas falar de fé como algo abstracto e que tem um valor em si mesmo, mas resvalas sempre para questões que são políticas, sociais, psicológicas. Não por defeito de raciocínio teu, mas porque não há outra forma. A fé em deus é algo que, se não é escolhido em liberdade [ou na liberdade possível] é inculcado, é um dote comunitário, familiar, cultural. Donde, em que é que decides acreditar é formado e deformado por tudo isso. Esse deus provém de um sistema organizado por base em fábulas e parábolas, escritas por mãos humanas, é portanto, não um fenómeno da metafísica, pelo menos exclusivamente, mas um fenómeno comunitário, logo, político. Nem por um momento me faria sentido condenar alguém por acreditar. Nem por um momento me faria sentido deixar de discuti-lo porque alguém acredita.

Continuo a pensar que os acto de fé diários de que falas não são de forma nenhuma comparáveis ao acto de assumir que existe uma consciência superior e dar-lhe um nome e uma personalidade; não nos enganemos, é de antropomorfização que se trata. Já que manténs os teus exemplos, eu usarei um absolutamente abusivo, mas que para mim faz sentido: também as crianças juram a pés juntos e acreditam nos amigos imaginários que sentam a seu lado na mesa do jantar. Só que as crianças crescem.

Não acho que ele chame doidos aos que acreditam. Ele próprio se explica, e afirma-se consciente de que a palavra "delusion" é perigosa e controversa. Mas, felizmente, já não vemos também a patologia mental da forma diabólica que víamos, e é vox populi que de poeta e de louco todos temos um pouco. A mim já me disseram que eu era demasiadamente inteligente para ser ateia, e que era uma questão de tempo até encontrar "A verdade" [xaran!]. Que quer isto dizer senão que estou "deluded"? Estariam a chamar-me doida? Talvez. Mas nesse caso sou é parva, porque não foi assim que interpretei.

O que acho, e me chateia um pouco, confesso, é que a fé a confissão e no limite dEus têm uma defesa ilegítima permanente na dispensa do ónus da prova, tudo é permitido, porque nada tem de ser explicado, e ainda por cima é falta de respeito discutir. Eu não sou anti-religiosa, penso que já o terás percebido ao longo deste palavreado todo, mas sou sem dúvida anti-clerical. E assumo-me como ateia porque acho que o ser humano é tão insignificante como presunçoso. Não é fé. Dentro do meu espírito há espaço para qualquer explicação: não me parece é que essa explicação esteja ao nosso alcance, e tentar convencer os outros da veracidade das nossas bedtime stories, sobretudo ao nível a que tal acontece na história da humanidade, é de muito mau tom. No fundo, assumo-me como ateia porque deus para mim é humano, e vejo o agnosticismo como um ateísmo bem-educado. Só que nas convicções pessoais e nos debates em boa-fé [cá está, mais uso da palavra fé que foge ao perímetro do transepto] eu dispenso o excesso de chá. E penso que a conversa entre Crawley e Dawkins, como a nossa, está nessa categoria.

MPR disse...

Verdade seja dita que gosto de conversar e de trocar ideias, e já há algum tempo que isso não me acontecia num blog. Obrigado por o proporcionares.
Não há nenhum defeito de raciocínio meu, uma coisa é a Igreja e a religião em que te inseres. Isso sim, não é escolhido em total liberdade, depende do local e época em que nasces. Mas isso é uma questão social. Depois há a questão da fé em deus. Da fé em algo que nos ultrapassa. Essa ligação ao trascendental é pessoal, manifesta-se é de formas diferentes. Mas na verdade a Fé dos muçulmanos, dos católicos ou dos indios da américa do norte é a fé em algo metafisico, similar, mas expressa de formas diferentes devido ao local onde nasceram. O que eu acho que estás a confundir é a discussão sobre a Fé e a discussão sobre as suas diferentes formas de manifestação. Não existe uma religião una, mas em todo o mundo, ao longo de todo de toda a História, existiu Fé num ou mais deuses. Quanto ao exemplo que usaste, sim é abusivo, mas tu és demasiado inteligente para realmente acreditar que a Fé que une povos é igual a brincadeiras de crianças. ;)
De mais a mais os teus amigos usam um argumento pouco "inteligente", acreditar em Deus não tem nada de inteligente. Nem de burro. Nem antes pelo contrário. Mas seja... tentar convencer um não crente a acreditar com argumentação é tão inutil como tentar transformar água em vinho. O ser humano é insignificante... à escala universal sim. Mas convenhamos... é tudo o que temos! E pode-se acreditar em Deus sem isso querer dizer que se acredite que a Terra é o centro do Universo. E sem seguir cegamente todo e qualquer dogma que nos queiram impingir. Ou não?

Manel disse...

Então voltamos ao início da minha argumentação, meu caro. O que é isso de deus? É que acho óbvio que o que nos transcende é incomensurável. E uma coisa é sentir que há algo que nos liga, outra é dar-lhe um nome quando estamos às escuras. Religião, compreendo, fábulas, por seu lado, são apenas isso, fábulas. E mais do que à fé, dou valor à escolha, e é uma questão de escolha acreditar nas fábulas. O que une os povos é mais do que a fé: é precisamente esse desamparo que é característica de um animal que tem uma consciência para expressar e tentar vencer os seus medos e angústias. Como a usa, é algo que se discute, sim, como tudo o que é humano se discute. E se calhar por me sentir ligada a todo e qualquer ser humano me comovo tanto com as cosmogonias várias, com a arte sacra, quando canto Bach ou quando aviso Dom João de que o seu fim está próximo e o Céu não tolerará mais os seus pecados.

Há muito que não tinha uma conversa destas num blog, também. Obrigada por alinhares. Desculpa não desenvolver mais, mas acabo de regressar a casa e ainda estou a recuperar de ter visto o teu professor em grande a cantar o Ali-Babá como uma verdadeira Doce, eheheh...

Acho que já estamos naquele ponto em que o melhor é cada um reflectir um pouco no que o outro escreveu. E o assunto, que é inesgotável, há-de vir novamente à baila, com certeza. ;) Ite missa est. :p

Mas repito, é um prazer.

MPR disse...

O Bruno a cantar? Onde?

MPR disse...

Adriano Filipe?

Manel disse...

Num aniversário de um amigo, que é sempre onde se fazem as melhores figuras, não é verdade?... Já cometi uma indiscrição, carago... mas tenho as desculpa das sangrias de ontem à noite. :p

Raquel Alão disse...

Xiiiii!!!.... :-) Onde isto já vai... Com tanto comentário ainda não deitei o olhinho ao vídeo... Mais tarde...

Sim... Esta coisa de definir conceitos para saber o que se está a discutir à partida é deveras importante. Não, eu não acredito num Deus à maneira do que está pintado no tecto da capela sistina, mas a verdade é que, a confiar nas Escrituras, nós fomos feitos à imagem e semelhança d'Ele... Quer isto dizer que o Senhor pode ser careca, barrigudo e viciado em futebol? Ou até mulher? :-D Não me parece que seja nesse plano, a acreditar na Criação, que fomos feitos à Sua imagem... O que sinto, por vezes, é a ligação extrema que nos interpenetra e que me faz sentir que fazemos todos parte de algo mais vasto, de algo mais importante e duradouro que esta "roller-coaster" emocional a que gostamos de chamar vida. Ora estamos no topo, ora estamos no fundo, ora nos queixamos por não se passar nada, ora por se passar tudo ao mesmo tempo, num dia acordamos felizes, bem dispostos e as melhores pessoas do mundo, noutro deitamo-nos à vileza de pensamentos e, quiçá, de acções. Se queres que te diga, tenho saudades de uma "casa" em que sei que nada disto se passa e que algo de mim bem mais importante que a "mente/ego" perdura, por que lhe tive um vislumbre ou outro. Não quero impôr a minha visão do mundo e da vida a qualquer outra pessoa, estou perfeitamente consciente dos meus condicionalismos sociais, políticos, culturais e temporais. Tudo o que eu sou neste plano de existência é fruto da minha interacção com o que me rodeia e, como tal, pejadinho de subjectividades. É consolador pensar assim e acreditar em "algo" para além do palpável? Não sei... Não me parece... Tenho sempre muitas dúvidas na mesma e há muitas questões que se me colocam exactamente por causa da minha fé... Se não a tivesse, teria outras com que me preocupar... ;-) Como tal, ainda que para muita gente uma "fé simples" possa servir como aspirina para os problemas do dia-a-dia, para mim funciona mais como um "cubo mágico"... E não há maneira de dar volta aquilo para as cores certas ficarem todas do mesmo lado... :-D

Manel disse...

:) Estava a ver que não aparecias aqui. Essa do cubo mágico tem graça. Posso aplicá-la à roda da vida, ao conhecimento interior.


No fundo, se calhar o meu conceito de religião é basicamente filosofia. Se calhar é melhor começar a assumir-lhe o nome... ;)

Raquel Alão disse...

Ainda por cima, não faço nada pela metade e acredito num Deus que por amor se resolve fazer Homem... É assim que me relaciono com o que me transcende... É por isso que me assumo como cristã... Para mim, não poderia ser de outra forma porque me sentiria incompleta. Mas não acredito que a minha resposta seja uma t-shirt que sirva a todos... É por isso que cada crente te apresentará uma visão distinta da mesma fé. Daí a passares para as diferentes confissões é um pulinho (aí está um tipo que não se ficou com as palermices do papado e desatou à martelada às portas das igrejas, o senhor Lutero que, para o bem ou para o mal, pôs o catolicismo a questionar-se...), isto já para não falar das diferentes revelações que se foram manifestando, sejam elas do Deus único, de Shiva, a iluminação de Buda e outras que mais. Ora, podemos questionar tudo isto e devemo-lo, a religião é o resultado da organização, estruturação e hierarquização de um sistema de crenças, está sujeita a leis humanas, é feita de e por homens e, supostamente, para servir os homens. É fruto do pensamento, que é analítico e que divide, espartilha e condiciona o todo. Submerso no oceano das diferenças, do Eu/Outros, há o subextracto que nos une. A nossa humanidade parece dividir-nos, mas no silenciar do tumúlto da mente inquieta sobrevem a consciência do Uno. Se nos permitir-mos "re-ligar" uns aos outros naquilo que nos é comum, estaremos "re-ligados" à Transcendência/Deus. Qualquer construção humana que se advogue de ser "ponte" entre Deus e nós e que segregue, diferencie, separe, não nos serve. Não serve para nada. É fruto do que existe de mais primário no ser humano.

Raquel Alão disse...

Mas... Tu sabes que nós (tu e eu)estamos sempre à procura dos fios para ver se conseguimos espreitar e deitar olho a quem "manipula a marioneta"... Eheheh. Isto de estar deitadinha e doente com febre durante sete dias fez-me pensar em muita coisa (outras vezes foi delirar mesmo porque a febre e as dores de cabeça não me deram muito espaço para um pensamento muito analítico e nenhum mesmo para a leitura... Foi uma seca...). Creio que o mpr (e o Buda, já agora... ;-))tem alguma razão quando diz que não é através deste processo analítico a que damos o nome de pensamento que vamos conseguir descortinar o essencial do dilema da fé e do absoluto... É um caminho, não é o único e não pode excluir outras formas de aproximação. :-)

Manel disse...

Sabes que não concordo com tudo, e acho que és um bocadinho doida, mas adoro cada palavra que escreves. :)

Raquel Alão disse...

Um bocadinho doida?! Uma pessoa aqui a esforçar-se e só consegue ser um bocadinho?!?! Lol! :-) Idem idem, aspas aspas... Aliás, ando cá sempre "batida" (como se diz na minha terra). Ler-te faz-me bem. É um exercício de sanidade! :-)

Manel disse...

;) Beijo.