quarta-feira, maio 13, 2009

the empty space can only be blurred


carmo, hoje de Maio de 2009


eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente. (...) estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "'tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, borra-botas, matadores do romance, romanticidas.
já ninguém se apaixona? já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo(..) ?
o amor é uma coisa, a vida é outra. o amor não é para ser uma ajudinha. não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro (...), o nosso "dá lá um jeitinho" sentimental. odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. (...) por onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. o amor fechou a loja. foi trespassado ao pessoal da pantufa e da serenidade.
amor é amor. é essa a beleza. é esse o perigo. o nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. tanto pode como não pode. tanto faz. é uma questão de azar. o nosso amor não é para nos amar (...). o amor é uma coisa, a vida é outra. a vida às vezes mata o amor. a "vidinha" é uma convivência assassina. o amor puro não é um meio, não é um fim, não é um principio, não é um destino. o amor puro é uma condição. tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima (...).
o amor é uma verdade. é por isso que a ilusão é necessária. a ilusão é bonita. não faz mal. que se invente e minta e sonhe o que se quiser. o amor é uma coisa, a vida é outra. (..) o amor é mais bonito que a vida.
a vida que se lixe. (...)

Miguel Esteves Cardoso, Último Volume, Assírio & Alvim


[obrigada, L.]

6 comentários:

K. disse...

Aqui ele escreve como o enfant terrible que foi no final dos anos 80. :)

A fotografia é espectacular.

Rita disse...

Achas que entretanto ele se rendeu à pantufa?!

Ver o amor retratado naquilo que ele tem de mais puro (a sua essência) em vez de uma imagem de geronte segurança e de algemas invisíveis do hábito é deveras refrescante!

Manel disse...

não, ele não se rendeu à pantufa. basta ver como escreve hoje. teve uns duros desvios, levou muita pancadinha, mas lá de pantufas não me parece que ande.


... é, não me correu mal, a foto. [smiley coradito e satisfeitito]

Rita disse...

A pergunta era retórica e até um pouco provocatória...

K. disse...

Bem, é bom saber que tem talento o aproveita.

Coisa que se aplica também a certas cigarras-poetas-fotógrafas. :)

Manel disse...

:) you spoil me.