MOVIMENTO PELA IGUALDADE no acesso ao casamento civil
A igualdade no acesso ao casamento civil é uma questão de justiça que merece o apoio de todas as pessoas que se opõem à homofobia e à discriminação. Partindo da sociedade civil, a luta pelo acesso ao casamento para casais de pessoas do mesmo sexo em Portugal conta neste momento com um crescente apoio político e social. Nós, cidadãos e cidadãs que acreditamos na igualdade de direitos, de dignidade e reconhecimento para todas e todos nós, para as/os nossas/os familiares, amigas/os, e colegas, juntamos as nossas vozes para manifestarmos o nosso apoio à igualdade.
Exigimos esta mudança necessária, justa e urgente porque sabemos que a actual situação de desigualdade fractura a sociedade entre pessoas incluídas e pessoas excluídas, entre pessoas privilegiadas e pessoas marginalizadas; Porque sabemos que esta alteração legal é uma questão de direitos fundamentais e humanos, e de respeito pela dignidade de todas as pessoas; Porque sabemos que é no reconhecimento pleno da vida conjugal e familiar dos casais do mesmo sexo que se joga o respeito colectivo por todas as pessoas, independentemente da orientação sexual, e pelas famílias com mães e pais LGBT, que já são hoje parte da diversidade da nossa sociedade; Porque sabemos que a igualdade no acesso ao casamento civil por casais do mesmo sexo não afectará nem a liberdade religiosa nem o acesso ao casamento civil por parte de casais de sexo diferente; Porque sabemos que a igualdade nada retira a ninguém, mas antes alarga os mesmos direitos a mais pessoas, acrescentando dignidade, respeito, reconhecimento e liberdade.
Em 2009 celebra-se o 40º aniversário da revolta de Stonewall, data simbólica do início do movimento dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgéneros. O movimento LGBT trouxe para as democracias - e como antes o haviam feito os movimentos das mulheres e dos/as negros/as - o imperativo da luta contra a discriminação e, especificamente, do reconhecimento da orientação sexual e da identidade de género como categorias segundo as quais ninguém pode ser privilegiado ou discriminado. Hoje esta luta é de toda a cidadania, de todos e todas nós, homens e mulheres que recusamos o preconceito e que desejamos reparar séculos de repressão, violência, sofrimento e dor. O reconhecimento da plena igualdade foi já assegurado em várias democracias, como os Países Baixos, a Bélgica, o Canadá, a Espanha, a África do Sul, a Noruega, a Suécia e em vários estados dos EUA. Entre nós, temos agora uma oportunidade para pôr fim a uma das últimas discriminações injustificadas inscritas na nossa lei. Cabe-nos garantir que Portugal se coloque na linha da frente da luta pelos direitos fundamentais e pela igualdade.
O acesso ao casamento civil por parte de casais do mesmo sexo, em condições de plena igualdade com os casais de sexo diferente, não trará apenas justiça, igualdade e dignidade às vidas de mulheres e de homens LGBT. Dignificará também a nossa democracia e cada um e cada uma de nós enquanto cidadãos e cidadãs solidários/as – e será um passo fundamental na luta contra a discriminação e em direcção à igualdade.
podem subscrevê-lo AQUI
domingo, maio 31, 2009
fora de campo 2.0
Carrion Suite - Andrew Bird
Eram já horas, mais que horas. Este uivo, ouvira-o já, este uivo do vento na paragem do autocarro, longe, longe de ser novo, longe de ser límpido. Eram, já horas, pensou. E enquanto observava a pequena gota de água que se desmanchava lentamente numa só pedra, sem cruzar os pequenos leitos que a ligavam a outras semelhantes, a lua mudou-se para dentro. O veículo parou à sua frente. E ela subiu.
Aveiro, Maio de 2009
sábado, maio 30, 2009
para a minha formiga
... que me ficou a dever uma mms na rambla com o pássaro de Illinois. Ao teu nervous tick respondo-te com esta pergunta. só tenho pena que o vídeo não comece mais cedo, porque toda a conversa anterior sobre ser ou não ser easy going foi deliciosa.
Troca de cromos, é o que os putos chamam a isto. Deixa lastro, eu disse-te. ;)
isto não passa de vulgar teatro
... e não tarda os tambores rufam pela última noite. com um quarto do espaço com que nasceram e o triplo da carne. despedida boa, apesar da alegre sauna proporcionada pelos figurinos de inverno no Maio algarvio. adiante. venham os palíndromos e os patins verdes.
silêncio
parece que se descobriram coisas novas, cenas históricas e tal. mas eles eram feios. e, palpita-me, mais barulhentos. quem precisa dos originais quando temos... isto?
sexta-feira, maio 29, 2009
a beleza deixa lastro
matéria escura em pães doces. noites e noites cheias de grilos. e galochas. e guarda-chuvas. matéria escura provada. pães doces nos olhos.
[acredite-se ou não, consigo perceber a minha voz naquele "yeah!...", e não fui eu que filmei. só que me lembro bem da luz com que saíu, e reconheço-a — ok, e estou habituada a perceber o meu timbre no meio de quarenta outras vozes, também ajuda. mas a beleza deixa lastro. se deixa. yeeeahhh.]
[acredite-se ou não, consigo perceber a minha voz naquele "yeah!...", e não fui eu que filmei. só que me lembro bem da luz com que saíu, e reconheço-a — ok, e estou habituada a perceber o meu timbre no meio de quarenta outras vozes, também ajuda. mas a beleza deixa lastro. se deixa. yeeeahhh.]
segunda-feira, maio 25, 2009
beauty
É um filme mudo, só que cheio de música e de vozes. Contradição consonante com uma banda dura e lírica, you hit it like a two year old, hit it hard! Para me esquecer que o Bird está aqui mesmo ao lado e eu não estou lá.
fiquei tão embevecida com os olhos dele...
... e com o facto dele ter juntado o Imitosis com o Cataracts [cá pelas minhas razões...] e de todas as canções serem novas sendo as mesmas [não é qualquer um que se reinventa desta forma aparentemente tão espontânea], com o grão e a beleza que se lhe desprendem das mãos e da voz, com o ele ter-me dito, a rir, que teria tocado o Section 8 City se eu tivesse berrado por ela como me apeteceu nos encores, com a facilidade da conversa...
Why? - Andrew Bird
... que me esqueci de o pedir em casamento.
Why? - Andrew Bird
... que me esqueci de o pedir em casamento.
oniroid
aveiro, Maio de 2009
— Ah, estás a fazer-me uma festa. Pensei que tivesse alguma coisa na cara.
— És um bicho, tu...
— Então estamos bem um para o outro, tu não és outra coisa.
— Pois, mas se calhar dois bichos não dá bom resultado. Se calhar um bicho precisa de um domador...
— Se calhar esta metáfora é estúpida.
o meu feicebuque importa os posts do Blue!, portanto...
... hoje o Blue! importa o meu estado do feicebuque.
Joana Manuel esteve uns minutos à conversa com o Andrew Bird, obviamente só disse baboseiras, está feliz como uma criança e não pretende lavar as mãos tão cedo.
Joana Manuel esteve uns minutos à conversa com o Andrew Bird, obviamente só disse baboseiras, está feliz como uma criança e não pretende lavar as mãos tão cedo.
domingo, maio 24, 2009
sábado, maio 23, 2009
quarta-feira, maio 20, 2009
pássaro pousado em três
Cataracts - Andrew Bird
milk that sours is promptly spat,light will fill our eyes like cats
cataracts.
Guimarães, Maio de 2009
terça-feira, maio 19, 2009
segunda-feira, maio 18, 2009
os profundos crimes quotidianos...
... são tantas vezes estatais, oficiais, institucionais. Hoje a biologia foi rainha. Ver uma criança de seis anos berrar e espernear enquanto em público a arrancam aos pais que a criaram desde os dezassete meses, porque um tribunal decidiu que a biologia é soberana e a mãe biológica pode voltar com ela para a Rússia apenas porque lhe apetece, deixa-me com vontade de arrancar os olhos a alguém.
Mesmo que fosse esta a decisão final, alguém me explica onde está o interesse da criança na violência deste circo? Onde está a preparação para o choque de ser arrancada do seu ambiente familiar como se fosse uma planta que se tira de um vaso e se envia em encomenda aérea para uma casa a milhares de quilómetros de distância? É preciso ter negado totalmente a infância para não recordar os terrores internos que uma situação destas pode provocar num ser de seis anos. É preciso ser muito pequeno. Não há desculpa para esta violência. A justiça foi criminosa. Mas não há assistente social que a possa impedir de tomar decisões arbitrárias quanto à felicidade alheia. Afinal sempre há alguma coisa que se sobrepõe à biologia.
Fiquei enjoada com isto. Trocam-se duas letras e dá enojada.
Mesmo que fosse esta a decisão final, alguém me explica onde está o interesse da criança na violência deste circo? Onde está a preparação para o choque de ser arrancada do seu ambiente familiar como se fosse uma planta que se tira de um vaso e se envia em encomenda aérea para uma casa a milhares de quilómetros de distância? É preciso ter negado totalmente a infância para não recordar os terrores internos que uma situação destas pode provocar num ser de seis anos. É preciso ser muito pequeno. Não há desculpa para esta violência. A justiça foi criminosa. Mas não há assistente social que a possa impedir de tomar decisões arbitrárias quanto à felicidade alheia. Afinal sempre há alguma coisa que se sobrepõe à biologia.
Fiquei enjoada com isto. Trocam-se duas letras e dá enojada.
domingo, maio 17, 2009
sexta-feira, maio 15, 2009
filtro 2.0
Anjos, Maio de 2009
duas camas menos uma.
não te queria, mas vens
e não posso escolher
vou.
fundamento de —
sopro de vazio fundador
junta carril a carril a caminho
de nada.
berço vagão
de mão fechada em sim
de não-mão.
duas camas menos uma.
não te queria.
mas vou.
quarta-feira, maio 13, 2009
the empty space can only be blurred
carmo, hoje de Maio de 2009
eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente. (...) estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "'tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, borra-botas, matadores do romance, romanticidas.
já ninguém se apaixona? já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo(..) ?
o amor é uma coisa, a vida é outra. o amor não é para ser uma ajudinha. não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro (...), o nosso "dá lá um jeitinho" sentimental. odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. (...) por onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. o amor fechou a loja. foi trespassado ao pessoal da pantufa e da serenidade.
amor é amor. é essa a beleza. é esse o perigo. o nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. tanto pode como não pode. tanto faz. é uma questão de azar. o nosso amor não é para nos amar (...). o amor é uma coisa, a vida é outra. a vida às vezes mata o amor. a "vidinha" é uma convivência assassina. o amor puro não é um meio, não é um fim, não é um principio, não é um destino. o amor puro é uma condição. tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima (...).
o amor é uma verdade. é por isso que a ilusão é necessária. a ilusão é bonita. não faz mal. que se invente e minta e sonhe o que se quiser. o amor é uma coisa, a vida é outra. (..) o amor é mais bonito que a vida.
a vida que se lixe. (...)
Miguel Esteves Cardoso, Último Volume, Assírio & Alvim
[obrigada, L.]
segunda-feira, maio 11, 2009
eu adoro a vida dos adultos...
... isto de ser professora do superior tem muita graça. primeiro conseguir fazer sobreviver o meu assumido caos no caos em negação da administração pública. surpresa!, dou-me mal com a burocracia e é fácil tornar-me bola de ping-pong se não resolvo esta minha aversão aos papéis e às satisfações a dar a toda a gente. mea culpa, mea maxima e entediada culpa. e ao fim de várias tentativas e um mês ou dois depois de ter sido obrigada a criá-lo, lá consigo aceder ao meu e-mail "oficial" [uuuhhh, que medo...] para encontrar uma comunicação do sindicato onde não estou sindicalizada, perceber como a actividade docente pode ser totalmente absorvente sem que isso signifique que a docência em si absorva seja o que for, e para descobrir que existe um Grupo Nacional de Peritos de Bolonha. o som da coisa é maravilhoso. vou repetir, just for the fun of it: Grupo Nacional de Peritos de Bolonha. fffiiiu... fazem uns seminários. mas o prato do jantar costuma ser favas.
divergências significantes: a felicidade — ou, o elogio do trolha
o trabalho físico é salvador porque obrigando a estar no momento, permite à mente voar a espaços irregulares para o momento que verdadeiramente quer.
bartleby, jonas, a baleia e a improbabilidade da comunicação [pelo insigne cronista Rui Tavares]
Por exemplo, o profeta Elias. Vinha ele de Jericó para Betel quando se cruzou com um grupo de crianças irrequietas. Enquanto todos subiam o caminho, as crianças gritavam: vai, careca! sobe, careca!
(Elias era careca; deveria ter referido este facto em primeiro lugar?)
E então? Vamos dar a palavra ao Livro de Reis: "E então, virando-se Elias para trás, viu os meninos e os amaldiçoou em nome do Senhor. E saíram duas ursas do bosque, e as ursas despedaçaram quarenta e dois daqueles meninos."
Há muito para admirar nesta passagem. A exactidão, por exemplo: duas ursas e quarenta e dois meninos despedaçados, nem um a mais ou menos. E a concisão. E a lição moral: não gozem com os carecas. Principalmente se eles forem intermediários do Criador.
Ser intermediário do Chefe, como sabe qualquer adepto de filmes sobre a máfia, dá direitos e deveres. Ser profeta também. Do lado dos direitos: protege-nos contra crianças irritantes. Deveres: quando o Chefe manda fazer um recado, o recado tem de ser feito.
E se um profeta se recusasse a ser intermediário? É aí que entra Jonas.
Jonas é o profeta preferido de Svengali.
Deus disse a Jonas: levanta-te e vai a Ninive. Ninive é no actual Iraque (ainda existe) e Deus não gostava do comportamento dos seus habitantes, a que se chama ninivitas. Então Deus ordenou a Jonas que profetizasse aos ninivitas: mudai ou sereis destruídos dentro de quarenta dias.
Mas Jonas não queria profetizar, veremos adiante porquê. Ao invés de obedecer, fugiu à pressa para um navio e atravessou o Mediterrâneo. Os versículos seguintes contam a perseguição de Deus a Jonas para o forçar a profetizar. Envolvem uma baleia e, como é do conhecimento geral, a baleia engole Jonas e vomita-o nas praias de onde fugira. Finalmente Jonas tem de ir a Ninive. Tem de profetizar. Profetiza. Os ninivitas arrependem-se. Deus não destrói Ninive.
E aqui vem a parte interessante. Jonas fica furioso com Deus. Acusa Deus de o ter enxovalhado. Ao não ter destruído Ninive, os ninivitas nunca saberiam se a profecia era verdadeira ou não. Jonas não queria passar por um falso profeta. Para tal humilhação, preferia ter ficado calado.
Qual é o problema de Jonas? Na verdade, o problema de Jonas é entender bem a linguagem e os seus efeitos. Jonas sabe que, se disser aos ninivitas que Deus destruirá a sua cidade, há duas hipóteses. A primeira: os ninivitas não mudam, são destruídos, e não sobra ninguém para confirmar que Jonas tinha razão. A segunda: os ninivitas mudam, não são destruídos, e ninguém pode garantir que Jonas tinha razão.
Ou seja, há momentos em que ter razão não serve de nada. É melhor ficarmos calados porque aquilo que dissermos pode influenciar o comportamento das pessoas a que nos dirigimos de forma a refutar a nossa opinião. Svengali chama "efeito Jonas" a este dilema: se falarmos a nossa profecia não ocorre, se não falarmos ninguém sabe que tínhamos uma profecia.
O efeito de Jonas é bem compreendido pelas crianças e pelos analistas políticos. Se dissermos, "não és capaz de fazer isto", a pessoa faz para provar que estamos errados. Se não tivéssemos falado, a pessoa nunca seria capaz de o fazer.
Pensando em Jonas, o profeta que não queria profetizar, Svengali inventou a palavra "antimediário". Os antimediários são os intermediários que se recusam a cumprir o seu papel.
Somos todos intermediários. Isto é uma coisa que os profetas sabiam. Por outro lado, isso é uma coisa que os artistas não sabem: somos todos intermediários. Os artistas chamam-se a si próprios "criadores", mas enganam-se, porque ninguém cria nada. Na verdade, limitamo-nos a repassar, a acrescentar, a comentar, a distorcer.
Essa é uma razão pela qual a completa originalidade artística não existe. Por sua vez, isso explica o bloqueio que sentem tantos artistas enquanto ainda acreditam que a completa originalidade artística existe mesmo e pode ser alcançada. A ilusão é demasiado pesada e asfixia o artista. Quando finalmente a deixa cair, o artista reconhece que não é mais do que um intermediário e pode finalmente começar a fazer coisas. Boas, más, mais ou menos, mas infinitamente melhores do que as coisas completamente originais que não chegaram a ser feitas.
Há dois exemplos diferentes de antimediários: os que não podem e os que não querem.
O escritor checo Karel Čapek criou um antimediário do primeiro género num romance, Vida e Obra do Compositor Foltyn, cujo protagonista se chamava Foltyn e sonhava ser compositor. O "compositor Foltyn", como se apresentava em sociedade, acreditava que um artista genial vive da inspiração, da pura pulsão criativa. Acreditava nisso de tal forma que nunca fizera nenhum esforço para compor seriamente nada. Com o passar dos anos, Foltyn fica cada vez mais frustrado por não conseguir fazê-lo. Desejava tanto "criar" que nunca lhe passou pela cabeça que teria de contentar-se com ser intermediário, como qualquer artista. A arte chegou até ele, e morreu ali mesmo.
O escritor Herman Melville criou um antemediário do segundo tipo: os que se recusam. A personagem chama-se Bartleby, no conto "Bartleby, o Escrivão". Bartleby é um amanuense num escritório de Wall Street. De cada vez que o seu patrão o manda fazer algo, responde: "preferia não ter de o fazer": Quando o patrão o despede, ele diz que "preferia não ter de sair". Quando vai preso, Bartleby diz que "preferia não ter de comer".
O seu patrão indigna-se com aquela atitude, mas engana-se: não se trata de uma atitude. Tomar atitudes é coisa de intermediários. Os antimediários, segundo Svengali, sabem que estão limitados às antitudes. Só depois de Bartleby morrer, o seu patrão descobre um pormenor que talvez explique a antitude. O anterior emprego de Bartleby fora nos correios, no arquivo das correspondências mortas, ou seja, das cartas que nunca chegaram aos destinatários. Anos e anos de convívio com cartas de amor, mensagens de pêsames e notícias de família que nunca puderam ser lidas tinham criado nele um profundo desânimo pelas possibilidades da comunicação.
Svengali pára na esquina por minutos e considera se Bartleby não é a verdadeira profecia de Jonas: o antimediário perfeito, aquele ser humano que sente que é o elo quebrado de uma cadeia inútil.
(Elias era careca; deveria ter referido este facto em primeiro lugar?)
E então? Vamos dar a palavra ao Livro de Reis: "E então, virando-se Elias para trás, viu os meninos e os amaldiçoou em nome do Senhor. E saíram duas ursas do bosque, e as ursas despedaçaram quarenta e dois daqueles meninos."
Há muito para admirar nesta passagem. A exactidão, por exemplo: duas ursas e quarenta e dois meninos despedaçados, nem um a mais ou menos. E a concisão. E a lição moral: não gozem com os carecas. Principalmente se eles forem intermediários do Criador.
Ser intermediário do Chefe, como sabe qualquer adepto de filmes sobre a máfia, dá direitos e deveres. Ser profeta também. Do lado dos direitos: protege-nos contra crianças irritantes. Deveres: quando o Chefe manda fazer um recado, o recado tem de ser feito.
E se um profeta se recusasse a ser intermediário? É aí que entra Jonas.
Jonas é o profeta preferido de Svengali.
Deus disse a Jonas: levanta-te e vai a Ninive. Ninive é no actual Iraque (ainda existe) e Deus não gostava do comportamento dos seus habitantes, a que se chama ninivitas. Então Deus ordenou a Jonas que profetizasse aos ninivitas: mudai ou sereis destruídos dentro de quarenta dias.
Mas Jonas não queria profetizar, veremos adiante porquê. Ao invés de obedecer, fugiu à pressa para um navio e atravessou o Mediterrâneo. Os versículos seguintes contam a perseguição de Deus a Jonas para o forçar a profetizar. Envolvem uma baleia e, como é do conhecimento geral, a baleia engole Jonas e vomita-o nas praias de onde fugira. Finalmente Jonas tem de ir a Ninive. Tem de profetizar. Profetiza. Os ninivitas arrependem-se. Deus não destrói Ninive.
E aqui vem a parte interessante. Jonas fica furioso com Deus. Acusa Deus de o ter enxovalhado. Ao não ter destruído Ninive, os ninivitas nunca saberiam se a profecia era verdadeira ou não. Jonas não queria passar por um falso profeta. Para tal humilhação, preferia ter ficado calado.
Qual é o problema de Jonas? Na verdade, o problema de Jonas é entender bem a linguagem e os seus efeitos. Jonas sabe que, se disser aos ninivitas que Deus destruirá a sua cidade, há duas hipóteses. A primeira: os ninivitas não mudam, são destruídos, e não sobra ninguém para confirmar que Jonas tinha razão. A segunda: os ninivitas mudam, não são destruídos, e ninguém pode garantir que Jonas tinha razão.
Ou seja, há momentos em que ter razão não serve de nada. É melhor ficarmos calados porque aquilo que dissermos pode influenciar o comportamento das pessoas a que nos dirigimos de forma a refutar a nossa opinião. Svengali chama "efeito Jonas" a este dilema: se falarmos a nossa profecia não ocorre, se não falarmos ninguém sabe que tínhamos uma profecia.
O efeito de Jonas é bem compreendido pelas crianças e pelos analistas políticos. Se dissermos, "não és capaz de fazer isto", a pessoa faz para provar que estamos errados. Se não tivéssemos falado, a pessoa nunca seria capaz de o fazer.
Pensando em Jonas, o profeta que não queria profetizar, Svengali inventou a palavra "antimediário". Os antimediários são os intermediários que se recusam a cumprir o seu papel.
Somos todos intermediários. Isto é uma coisa que os profetas sabiam. Por outro lado, isso é uma coisa que os artistas não sabem: somos todos intermediários. Os artistas chamam-se a si próprios "criadores", mas enganam-se, porque ninguém cria nada. Na verdade, limitamo-nos a repassar, a acrescentar, a comentar, a distorcer.
Essa é uma razão pela qual a completa originalidade artística não existe. Por sua vez, isso explica o bloqueio que sentem tantos artistas enquanto ainda acreditam que a completa originalidade artística existe mesmo e pode ser alcançada. A ilusão é demasiado pesada e asfixia o artista. Quando finalmente a deixa cair, o artista reconhece que não é mais do que um intermediário e pode finalmente começar a fazer coisas. Boas, más, mais ou menos, mas infinitamente melhores do que as coisas completamente originais que não chegaram a ser feitas.
Há dois exemplos diferentes de antimediários: os que não podem e os que não querem.
O escritor checo Karel Čapek criou um antimediário do primeiro género num romance, Vida e Obra do Compositor Foltyn, cujo protagonista se chamava Foltyn e sonhava ser compositor. O "compositor Foltyn", como se apresentava em sociedade, acreditava que um artista genial vive da inspiração, da pura pulsão criativa. Acreditava nisso de tal forma que nunca fizera nenhum esforço para compor seriamente nada. Com o passar dos anos, Foltyn fica cada vez mais frustrado por não conseguir fazê-lo. Desejava tanto "criar" que nunca lhe passou pela cabeça que teria de contentar-se com ser intermediário, como qualquer artista. A arte chegou até ele, e morreu ali mesmo.
O escritor Herman Melville criou um antemediário do segundo tipo: os que se recusam. A personagem chama-se Bartleby, no conto "Bartleby, o Escrivão". Bartleby é um amanuense num escritório de Wall Street. De cada vez que o seu patrão o manda fazer algo, responde: "preferia não ter de o fazer": Quando o patrão o despede, ele diz que "preferia não ter de sair". Quando vai preso, Bartleby diz que "preferia não ter de comer".
O seu patrão indigna-se com aquela atitude, mas engana-se: não se trata de uma atitude. Tomar atitudes é coisa de intermediários. Os antimediários, segundo Svengali, sabem que estão limitados às antitudes. Só depois de Bartleby morrer, o seu patrão descobre um pormenor que talvez explique a antitude. O anterior emprego de Bartleby fora nos correios, no arquivo das correspondências mortas, ou seja, das cartas que nunca chegaram aos destinatários. Anos e anos de convívio com cartas de amor, mensagens de pêsames e notícias de família que nunca puderam ser lidas tinham criado nele um profundo desânimo pelas possibilidades da comunicação.
Svengali pára na esquina por minutos e considera se Bartleby não é a verdadeira profecia de Jonas: o antimediário perfeito, aquele ser humano que sente que é o elo quebrado de uma cadeia inútil.
in O Fiasco do Milénio e outras tragédias menores, colecção das crónicas na Blitz, ed. Tinta da China
divergências significantes: a felicidade
são três nacos de papel onde está impresso São Jorge, 24 de Maio, Andrew Bird. é ter ouvido a tempo que haveria uma data extra [Lisboa está, afinal, cheia de gente com bom gosto] e portanto havia alternativa na plateia ao tecto do segundo balcão. e em Braga, cheira-me que ninguém vai fazer dinheiro com o meu lugar na primeira fila. quando nos acontecem coisas especiais, uns quilómetros a mais são parco preço a pagar.
só o óbvio pode ser hermético
são diferentes, estes. um pouco diferentes.
e eu fico feliz.
um pouco feliz.
e eu fico feliz.
um pouco feliz.
domingo, maio 10, 2009
ponte ao luar — variação
avenida, hoje de maio de 2009
atravessar para o azul. atravessar o azul. atravessar pelo azul. transpor o azul.
bem.
sto.amaro de oeiras
maio de 2009
não será. e é. agulha. pica-se na lua
que vazzza
lenta. não será. foi. a planta é séria. secou ao sol.
bem-me-quer.
sábado, maio 09, 2009
sexta-feira, maio 08, 2009
o melhor emprego do mundo
porque hoje passei grande parte do dia naquela banlieue que se enche dos meus dias passados, onde os sons se transformam tanto na reprodução. porque odeio o vincent moon do fundo do meu coraçãozinho. e porque alguém num dia escuro me deu para a mão um cd dos Beirut dizendo, toma, ouve, é música para nos fazer sentir bem, só para me ouvir retorquir entre lágrimas, não é nada, não percebeste nada do que estiveste a ouvir! em troca da insolência, recebi um abraço. e beirut é música para nos fazer sentir bem, pois, bem a sério não bem farsola, no chiaro-oscuro, na fanfarra cansada, no ritmo da melancolia, nas palavras sempre claras, sempre cheias de sombras. à la banlieue, santé!
da hipersensibilidade meteorológica — adenda
Bird por Moon.
O Vincent Moon deve ser, no momento, o gajo que eu mais invejo à face da terra. Este sim, tem o melhor emprego do mundo. Entre os Arcade Fire, os Beirut e o Andrew Bird, só os National lhe podem dar desculpa para andar chateado. Talk about being IN the scene...
da hipersensibilidade astro-meteorológica [ou pois, elas não matam...]
mas uma manhã cinzenta depois de uma noite de lua cheia mói, ah se mói. ainda para mais se passada entre caves da bela velha e salas sem luz do paço dos arcos. há mesmo dias de pacote completo, que só se salvam no vermelho: afias os cornos, focas-te e acometes.
quarta-feira, maio 06, 2009
terça-feira, maio 05, 2009
os paliativos que vão c'os porcos...
Informem-se AQUI, ou em qualquer outro media que não ignore as origens em proveito do fogo de artifício, e depois, em vez de irem a correr comprar o Tamiflu da família Rumsfeld, assinem antes esta PETIÇÃO. Parece-me mais consequente que qualquer vacina.
segunda-feira, maio 04, 2009
oquestrada
Qualquer Coisa Que Me Anima... - Oquestrada
caxias, 1 de Maio de 2009
já cá cantam. a minha vontade me seduza... o cantinho, claro, é ati de mon oncle tati.
in and out
quando o arremedo de caniche do andar de baixo vem outra vez berrar para a janela que não gosta do barulho do estendal, no seu ladrar estridente, agressivo, histérico, despropositado e constante, e a respectiva dona [de quem por sinal se gosta muito, apesar do bicho] vem pedir pela enésima vez que desculpemos o animal que é chato como a potassa, em vez de
— Não se preocupe, quando ele morrer até vou sentir a falta disto.
diga-se
— Tudo bem, a gente cá se entende.
...
sobretudo se se tiver fantasias com envenenamentos.
— Não se preocupe, quando ele morrer até vou sentir a falta disto.
diga-se
— Tudo bem, a gente cá se entende.
...
sobretudo se se tiver fantasias com envenenamentos.
when you cut into the present, the future leaks out.
Cut-Ups from Matti Niinimäki on Vimeo.
... oh hell, yes. sometimes it seems there's nothing else to the very puzzle of life.
[obrigada pela prenda. :)]
lisboa
parque, 2 de Maio de 2009
fotografia de Teresa Q.
habituar-me a esta estranheza de mel. estou aqui. não me vou embora amanhã, daqui a pouco, daqui a uns dias. a mala desfeita para arrumar e não apenas para o inexorável pulsar da lavandaria. alguns cantos estão refarejados, outros sê-lo-ão amanhã, de outros passo propositadamente ao lado, até que faça sentido deixar de ignorá-los. a luz está doce. carinhosa. afaga os cabelos, as curvas dos lábios, as rugas, as tardes de ar aberto, os pulos no asfalto e os sossegos na relva. regresso ao livro para sempre inacabado. eu.
domingo, maio 03, 2009
o espirro da semana
tinha uns recuerdos mexicanos lá no aparador da sala, mas agora já foi tudo c'os porcos.
sexta-feira, maio 01, 2009
artista residente
é só pulsar, é só ritmo, é só onda, linha e cor. e luz. if this is not a genius, I don't know one.
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