sexta-feira, novembro 03, 2006

Tudo o que sabemos na vida

Uma visitante aqui da casa deixou-me um repto numa caixa de comentários: POR FAVOR ALGUEM ME DÊ UM BOM ARGUMENTO PARA VOTAR NO SIM.

Mas a razão principal para votar Sim, escreveu-a a própria no seu comentário: só sei que nada sei. É por isso que votar Não é intrometer-se na consciência individual das outras mulheres e cercear-lhes a mais elementar liberdade. É um acto de intolerância e tirania, independentemente do que queremos para nós, ou do que achamos correcto.

Eu, por mim, e considerando a vontade que sempre tive de ter filhos, ia viver muito mal com a decisão de interromper uma gravidez, muito dificilmente optaria por isso. Mas eu só sei de mim, e mesmo de mim sei tão pouco... como posso ter o direito de decidir pela minha vizinha, ou pela mulher que atravessa o meu caminho na calçada, de cuja vida, aspirações, medos e condicionantes nada sei? Pela mesma razão, é-me extremamente ofensivo ouvir seja quem for dizer que tem o direito de determinar o que eu posso fazer com o meu corpo, que tem o direito de ilegalizar, julgar e condenar uma decisão tão pessoal e tão difícil. É este o meu argumento central, e é este argumento que faz com que um Não de certezas [diferente de um Não de dúvidas, como parece ser o caso da leitora em questão] me seja impossível de respeitar. Os tiranos não se respeitam nem se convencem, infelizmente; combatem-se. Poucas lições a História tem deixado tão claras.





IVG: Em caso de dúvida, vote SIM.

6 comentários:

Raquel Alão disse...

Não quero acreditar que somos apenas meia dúzia a pensar na DESPENALIZAÇÃO do aborto. É muuuuito diferente de ser a favor do mesmo.

Eu também me assumo como cristã, e, tal como o Manel, também quero ter filhos e que muito dificilmente recorreria a uma interrupção voluntária da gravidez. Mas não me advogo juiz do corpo e da consciência de outrém. Não há nada na argumentação dos grupos que se dizem pró-vida que se prenda com o facto concreto que é DEIXAR DE PENALIZAR A MULHER QUE RECORRE A UMA INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ. Não sou a favor do aborto. Sou a favor de uma educação para a vida sexual, que é uma componente muito importante dos nossos afectos e tem sido tão negligenciada quanto diabolizada por morais caducas. E sou a favor de parar de perseguir quem, infelizmente e por razões que nos são desconhecidas, se vê obrigada a recorrer à IVG.

Anónimo disse...

era bom que fosse tão simples, mas infelizmente esta é uma questão cheia de tons de cinzentos.

a discussão está muito polarizada e ambos os lados têm imensa dificuldade em perceber o outro. como há gente inteligente dos dois lados da barricada, alguma razão ambos devem ter.

Eu sou um SIM, mas deixa-me fazer aqui um bocado o advogado do diabo.

O direito a fazeres o que quiseres com o teu corpo está longe de ser um direito aceite universalmente, há sociedades que sancionam o teu direito ao livre suicídio ou sexo, por exemplo.

Mesmo considerando esses direitos como verdades razoavelmente adquiridas na sociedade ocidental, a questão em causa na IVG é sobre se é apenas sobre o teu corpo que estás a tomar decisões.

Em Portugal só se considera que um ser tem plenos direitos quando nasce e permanece vivo durante um certo numero de dias. Mas esse conceito de vida é claramente insuficiente para ambos os grupos, parece-me que ambos consideram inaceitável defender a despenalização aos oito meses, não achas?

Por outro lado o Estado permite IVG aceitáveis quando, por exemplo, autoriza e incentiva o uso de pílulas do dia seguinte. O facto da mulher não ter a certeza se está ou não grávida não invalida o argumento.

Portugal nunca definiu onde é que esse limite deve ser traçado para não alienar boa parte da população fosse em que caso fosse.

O Estado tem que decidir primeiro a partir de que ponto é que há duas vidas em vez de uma para depois poder legislar sobre os direitos da mãe e do feto, e essa doutrina não existe.

Dito isto, e fora advogado do diabo, na ausência dessa doutrina, que não vai ser definida tão cedo, o estado deve perguntar aos cidadãos se atribuem mais importância ao problema de saúde pública que é o aborto não regulado ou se os princípios morais se devem sobrepor, mantendo a situação como está.


Eu sei o que prefiro.

Manel disse...

Não percebo em que é que discordamos, patas. O facto de noutras sociedades não teres liberdades fundamentais não invalida que sejam liberdades fundamentais. Os exemplos paralelos não faltam. E uma coisa sei: hei-de resistir a todos os complexos moralizantes que me façam questionar que seja ainda a emancipação da mulher que estja em causa. A legalização da IVG é tão importante como a educação sexual e o planeamento familiar, mas tem uma carga cívica diferenciadora: numa sociedade que não se entende, na ausência de respostas científicas e legais quanto ao início da vida, deixar às mulheres a liberdade de decidir marca a diferença entre o respeito pela individualidade e pela cidadania e a opressão de um grupo da sociedade, coartando-lhe os direitos sobre o seu próprio corpo. É civicamente inadmissível, pura e simplesmente que o estado decida sobre tal assunto, com base em filosóficos, teológicos, variáveis. E é o conceito de mulher, por isso mesmo, que está em causa.

De resto, concordo plenamente contigo. Aliás, considero o limite das 10 semanas um pouco - talvez muito - cobarde, insuficiente e irreal. Mas é o que se pode ter agora. Essas são, para mim, questões técnicas, que têm a ver com o aperfeiçoamento de uma lei que é melhor que exista imperfeita do que não exista de todo.


É bom "rever-te", rapaz.

Anónimo disse...

também estou totalmente de acordo contigo, mas o resultado de uma lei nacional só pode advir do somatório das sensibilidades de todos os portugueses que se dignem a sair de casa nesse dia.

Dos que prezam os direitos individuais acima de tudo e querem abordar o problema pragmaticamente mesmo assumindo que a questão só ficará formalmente resolvida daqui a muitas décadas.

e dos que acham que se deve começar pela educação sexual e pela definição de vida - o que é verdade -, mas estão dispostos a viver até lá numa sociedade que escolhe a hipocrisia como forma de governo, começando a resolver lentamente o problema enquanto o mantêm fora da vista.


Não desapareci completamente, de vez em quando andava a cirandar por aí...

Raquel Alão disse...

Patas, concordo com as "zonas cinzentas" a que te referes, elas também fazem parte da minha reflexão sobre o assunto... Mas eu prefiro não viver na hipocrisia e, de acordo com a informação científica e legal disponibilizada, tomar uma decisão (que é a minha, obviamente, e como tal parcial) que me parece a mais sensata. Não me advogo nenhuma sábia, nem tenho certezas absolutas... :-)

Unknown disse...

Patas,
eu não tenho grande dificuldade em compreender os argumentos do "outro". Aliás acho que sou neste aspecto - talvez ao contrário de outros da minha vida - muito moderado.

Sinto em relação ao "outro" que:
-há uma grande facilidade no insulto e na forma como ele é usado sem que acrescente nada a qualquer argumentação civilizada - falo dos "criminosos", "assassinos", "abortistas", etc..
-há uma facilidade enorme em entrar em considerações sobre a vida pessoal de terceiros - nomeadamente sobre as suas práticas sexuais - quando isso é uma coisa que diz respeito a cada um de nós e a mais ninguém. (um exemplo)
-creio no entanto que aquilo que é pessoal é político (veja-se o caso da partilha das tarefas domésticas ou, no limite, a violência dentro de casa) e creio que deve haver legislação sobre o assunto. No caso do aborto tendo em conta o desenvolvimento actual (testes de gravidez a 12€) as 12 semanas seriam um prazo muito adequado para todas as situações.
-aos oito meses não é aceitável a despenalização. No entanto não creio que qualquer mulher o consiga fazer com água quente, agulhas de crochet ou raminhos de salsa. Aos oito meses isso só se faz com acompanhamento médico, e a criança é em quase todos os casos viável. Portanto é uma falsa questão. Aceito responder a falsas questões (acho que aqui ouço o "outro")
-Em caso de má formação congénita e risco para a mãe que a a gravidez possa ser interrompida enquanto o feto não for viável. Isso é facilmente determinável por qualquer obstetra e a lei não tem que definir todas as datas.
-Parece-me ridículo considerar a pílula do dia seguinte comparável à IVG - aqui reconheço que não consigo ouvir o "outro".

Penso que entre a maioria das pessoas que votam sim, todas o farão por razões diferentes. A única razão que para mim é comum, será a de pensar que há um momento da vida de uma mulher (ou de um casal) que a leva a tomar uma determinada decisão. Essa decisão só a ela diz respeito e ela não pode ir para a prisão em função dela.