quinta-feira, abril 19, 2007

Os pianos do corredor

De algum modo, e por mais que este blog esteja longe de ter qualquer tipo de agenda, sinto-me com vários posts em atraso. As maningâncias independentes, a campanha estatal que nos diz que os cortadores de relva e as vendedoras de jornais até são gente porreira, coitados, mas são todos um bocado burros - ou teriam sabido escolher melhor os percursos académicos e, quem sabe, chegar a ministros; a vigília pascal da zelosa CML frente ao cartaz dos Gatos no Marquês de Pombal, e por fim em cima dele; o Júlio César da Cornuncópia que já fui ver há três-quinze-dias, o Caimão que ainda vou ver outra vez antes de botar faladura. Enfim. Aguente-se. São os tais egos dos actores. Às vezes só consigo rir-me do “mundo real”, e falar sobre ele é o que menos me apetece. Aliás, para dizer a verdade, o que me apetecia mesmo neste momento era um beijo. Só que há momentos em que até tirar um curso de engenharia parece mais simples do que concretizar certos desejos.

Mas há uma coisa que entretanto não fica para trás, de tão merecedora de umas palavrinhas que é, e a publicidade institucional da 2 acabou de mo relembrar – sim, pois, a estas horas feita couve a olhar para a televisão no quarto de hotel, é o glamour do teatro, meus amigos. Adiante. Como diz o anúncio, o sucedâneo da defunta Festa da Música vai ter pianos e mais pianos e mais pianos. E mais uns quantos. E mais alguns pelos espaços de passagem do público, entre salas, entre concertos. Junto a cada um destes pianos vai estar um jovem pianista, com a tripla função de vigilante, animador e professor. Ou seja, tem de assegurar a integridade dos bichos; esclarecer dúvidas de quem a eles se dirige - práticas, teóricas, históricas, musicológicas, o que aparecer -, e eventualmente/certamente, tocar; estar disponível para fazer demonstrações de uma primeira aula de piano, a quem se mostrar interessado em experimentar.

Interessante, pensei eu, quando o meu puto pianista me disse que tinha sido convidada para essa função. Difícil, mas interessante, para os pianistas e para o público. Então e é razoavelmente bem-pago, não? Sim sim, claro, responde-me ela, ofereceram-me uma senha de almoço e uma t-shirt.

Quando parar num destes pianos, se por acaso o pianista-vigilante não tiver o entusiasmo de que está à espera, lembre-se de que a maioria dos convidados para esses lugares se recusou a fazê-lo. Caramba, trocar três horas de estudo por uma proposta que não é nada senão ofensiva e desonesta? Vão-se… enfim. Lembre-se portanto de que o pianista que tem à sua frente provavelmente viu dois ou três dias preciosos do seu trabalho virados do avesso porque, na maior das boas vontades, se propôs a fazer umas horitas e foi depois desesperadamente convidado a fazer muito mais. Talvez por mais um almoço. Ou uma sweater. Mais valia ir para o metro com um órgãozito de pilhas.

8 comentários:

João Barbosa disse...

ácido!

MPR disse...

Defunta festa da música?

Anónimo disse...

Quando puto me contou eu nem queria acreditar! Mas a avaliar pelo estado do emprego neste país nem sei porque é que ainda fico admirada!

Raquel Alão disse...

Não sei se consigo chamar a isto o estado do emprego no país... Creio que é mais o estado da falta de vergonha na piolheira. Eu é que lhes empregava umas valentes bofetadas nas fuças... Irra!

Manel disse...

É, não apetece mesmo mais nada. Um gato morto nas trombas até que o gato mie... chiça, que é preciso ser indecente ou estúpido para fazer uma proposta destas a pessoas que andam há anos a formar-se e só assim podem fazer um trabalho destes, que é tudo menos fácil. Falta de vergonha na cara, é o que é.

João Barbosa disse...

diria que é indecoroso.
mas há uma coisa que eu estranho, que é haver gente que se presta a pôr-se de gatas...
não é apenas na música ou na cultura, mas na sociedade toda. falta de amor próprio e de respeito. não sei.

violeta13 disse...

digo-te, não é só nesse país...
...neste aqui também...
e ainda há quem ache que em Espanha é que é!
mas, concretizando e centrando-me no dito renascimento após um ano de
hibernação de um evento que, em minha modesta opinião, era benvindo e
benéfico para toda a gente, feitas as contas a tanta cara-de-pau, a
tamanha exploração e a tanta desconsideração, mais valia que
comprassem um concerto ao Quim Barreiros!
beijos, minha linda e, já sabes, voto a favor das vendedoras de
jornais, assim como das destribuidoras (ainda acho que tenho alguma
cultura, caramba!) e dos senhores que cortam a relva, só o perfume que
deixam no ar vale por meia dúzia de anos passados a marrar na
faculdade (ou a emborrachar-se, consoante os gostos!)

Manel disse...

Ora nem mais! E está tudo dito. Cheiros bons neste mundo, o perfume das violetas, o cheiro a terra molhada e a relva acabada de cortar. :)