A poesia está na rua
Rua 31 de Janeiro, Porto
28 de Novembro de 2006
Este post é para a Violeta, que vinha com tanta vontade de me mostrar o amor-perfeito que fotografou na Praça da Liberdade como a que eu tinha de lhe mostrar este amor-perfeito da 31 de Janeiro. E, claro, para quem quer que tenha decidido que hoje o basalto invernal pedia encarecidamente que o rasgassem de amarelo primaveril. Seja quem for, é um poeta, e coloriu de riso o meu dia. E o da Violeta.
segunda-feira, novembro 27, 2006
Ao longo da muralha que habitamos
Há palavras de vida há palavras de morte
Há palavras imensas,que esperam por nós
E outras frágeis,que deixaram de esperar
Há palavras acesas como barcos
E há palavras homens,palavras que guardam
O seu segredo e a sua posição
Entre nós e as palavras,surdamente,
As mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras e nocturnas palavras gemidos
Palavras que nos sobem ilegíveis À boca
Palavras diamantes palavras nunca escritas
Palavras impossíveis de escrever
Por não termos connosco cordas de violinos
Nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
E os braços dos amantes escrevem muito alto
Muito além da azul onde oxidados morrem
Palavras maternais só sombra só soluço
Só espasmos só amor só solidão desfeita
Entre nós e as palavras, os emparedados
E entre nós e as palavras, o nosso dever falar.
Mário Cesariny, 1923-2006
terça-feira, novembro 21, 2006
Porto desabrigado
Não é límpido, o regresso. É difícil sossegar o coração, quando olhos se focam na paz para que nenhum malabar se estatele no chão e se transforme em lança de guerra. O tratado é recente, os ânimos ainda feridos recolhem-se no estômago, nas vísceras, nos recantos mais insuspeitos do cérebro. É duro substiuir muralhas por pontes levadiças. Mais duro é não substituí-las. A gestão das pontes dá trabalho, mas tem retorno. Já as muralhas são em si mesmas íman de canhões, passeiam-se em teu redor conjurando o ataque, encontram-se, justificam-se no ataque. São ingratas. E sofrem. Sem retorno. Perdendo a lição. Escoando a vida. O seu tempo passou. A gleba recusa o feudo. Sabe que chamar-se invicta seria uma negação de si mesma, uma negação em si mesma. E a pedra escura também o sabe, e retribui a lealdade com uma doce carícia rugosa na palma da mão.
São Bento da Vitória, Porto
Novembro de 2006
Não é límpido, o regresso. É difícil sossegar o coração, quando olhos se focam na paz para que nenhum malabar se estatele no chão e se transforme em lança de guerra. O tratado é recente, os ânimos ainda feridos recolhem-se no estômago, nas vísceras, nos recantos mais insuspeitos do cérebro. É duro substiuir muralhas por pontes levadiças. Mais duro é não substituí-las. A gestão das pontes dá trabalho, mas tem retorno. Já as muralhas são em si mesmas íman de canhões, passeiam-se em teu redor conjurando o ataque, encontram-se, justificam-se no ataque. São ingratas. E sofrem. Sem retorno. Perdendo a lição. Escoando a vida. O seu tempo passou. A gleba recusa o feudo. Sabe que chamar-se invicta seria uma negação de si mesma, uma negação em si mesma. E a pedra escura também o sabe, e retribui a lealdade com uma doce carícia rugosa na palma da mão.
São Bento da Vitória, Porto
Novembro de 2006
Ai, a carestia...
... ou o espontâneo humor negro dos classificados do DN.
ALTO S.JOÃO; T3 remodelado, local sossegado, terraço; €700.
Isto está pela hora da morte. Com este preço na renda dos jazigos familiares, dá para desistir de ser um moribundo, como diria uma certa velhota do concelho de Caminha.
... ou o espontâneo humor negro dos classificados do DN.
ALTO S.JOÃO; T3 remodelado, local sossegado, terraço; €700.
Isto está pela hora da morte. Com este preço na renda dos jazigos familiares, dá para desistir de ser um moribundo, como diria uma certa velhota do concelho de Caminha.
sábado, novembro 18, 2006
Navegar é preciso...
Tenho andado tão atarefada a preparar o regresso à inbicta - por apenas um mês, desta vez, que isto é bom assim em doses controladas -, que até me esqueci de vos fazer pirraça. Quase quinze anos depois do Pavilhão Carlos Lopes e anos indetermináveis passados sobre o primeiro coup de foudre que me colou aos olhos azuis de Francisco, lá fui chorar rir dançar pensar balançar para o Coliseu. Levem o meu sorriso, os meus assuntos, o que me é direito, as imagens de São Francisco e os bons discos de Natal, os meus planos, os meus pobres enganos, os meus vinte anos e o meu coração, deixem-me apenas as perdas e danos, mas não me emudeçam este violão.
Não me leve a mal
Me leve à toa pela última vez
A um quiosque, ao planetário
Ao cais do porto, ao paço
O meu coração, meu coração
Meu coração parece que
perde um pedaço, mas não
Me leve a sério
Passou este verão
Outros passarão
Eu passo
Não se atire do terraço
não arranque minha cabeça
Da sua cortiça
Não beba muita cachaça, não se
esqueça depressa de mim, sim?
Pense que eu cheguei de leve
Machuquei você de leve
E me retirei com pés de lã
Sei que o seu caminho amanhã
Será um caminho bom
Mas não me leve
Não me leve a mal
Me leve apenas para andar por aí
Na lagoa, no cemitério
Na areia, no mormaço
O meu coração, meu coração
Meu coração parece que
perde um pedaço, mas não
Me leve a sério
Passou este verão
Outros passarão
Eu passo
Leve, Carlinhos Vergueiro e Chico Buarque, in Carioca
Tenho andado tão atarefada a preparar o regresso à inbicta - por apenas um mês, desta vez, que isto é bom assim em doses controladas -, que até me esqueci de vos fazer pirraça. Quase quinze anos depois do Pavilhão Carlos Lopes e anos indetermináveis passados sobre o primeiro coup de foudre que me colou aos olhos azuis de Francisco, lá fui chorar rir dançar pensar balançar para o Coliseu. Levem o meu sorriso, os meus assuntos, o que me é direito, as imagens de São Francisco e os bons discos de Natal, os meus planos, os meus pobres enganos, os meus vinte anos e o meu coração, deixem-me apenas as perdas e danos, mas não me emudeçam este violão.
Leve.wma |
Não me leve a mal
Me leve à toa pela última vez
A um quiosque, ao planetário
Ao cais do porto, ao paço
O meu coração, meu coração
Meu coração parece que
perde um pedaço, mas não
Me leve a sério
Passou este verão
Outros passarão
Eu passo
Não se atire do terraço
não arranque minha cabeça
Da sua cortiça
Não beba muita cachaça, não se
esqueça depressa de mim, sim?
Pense que eu cheguei de leve
Machuquei você de leve
E me retirei com pés de lã
Sei que o seu caminho amanhã
Será um caminho bom
Mas não me leve
Não me leve a mal
Me leve apenas para andar por aí
Na lagoa, no cemitério
Na areia, no mormaço
O meu coração, meu coração
Meu coração parece que
perde um pedaço, mas não
Me leve a sério
Passou este verão
Outros passarão
Eu passo
Leve, Carlinhos Vergueiro e Chico Buarque, in Carioca
quinta-feira, novembro 16, 2006
Porque não me apetece falar da ivg nem da moda bode expiatório da anorexia nem da cultura que contribui para o PIB com 1,4% e recebe 0,4% do orcamento de estado nem de gente nem da rua nem de casa... o lugar aos bichos!
A Família Feliz na Caçarola;
e a princesa à janela.
E é também graças a estes doces e selvagens nadas que a vida é bela.
A Família Feliz na Caçarola;
e a princesa à janela.
E é também graças a estes doces e selvagens nadas que a vida é bela.
quinta-feira, novembro 09, 2006
O enforcamento tragicamente irrelevante, o director de jornal tristemente relevante e o mais que relevante post de Ivan Nunes, no Cinco Dias.
[Parece-me que para fazer o pleno de encómios já só me falta a Joana Amaral Dias... e apenas porque ainda não calhou.]
[Parece-me que para fazer o pleno de encómios já só me falta a Joana Amaral Dias... e apenas porque ainda não calhou.]
terça-feira, novembro 07, 2006
segunda-feira, novembro 06, 2006
domingo, novembro 05, 2006
My thoughts exactly
Como defensor dos Direitos Humanos, choca-me a suspeita imparcialidade deste tribunal, produto de Paul Bremmer e de uma mais que dúbia legitimidade internacional. Escandaliza-me a pena de enforcamento. Não porque Saddam não o merecesse. Mas sim porque a Humanidade merece mais do que esta roda viva de violência institucionalizada cuja Justiça parece perseguir apenas os "dispensados"...
Diz o Max, neste claríssimo post no Devaneios. Olho por olho, senhores, não em busca da justiça, mas da vingança e da prosperidade nos negócios.
Donald Rumsfeld, Bagdade, 1983; em nome do Presidente Reagan, exprimia então o "apoio do Povo Americano" ao regime de Saddam Hussein...
tudo surripiado ao Max
Como defensor dos Direitos Humanos, choca-me a suspeita imparcialidade deste tribunal, produto de Paul Bremmer e de uma mais que dúbia legitimidade internacional. Escandaliza-me a pena de enforcamento. Não porque Saddam não o merecesse. Mas sim porque a Humanidade merece mais do que esta roda viva de violência institucionalizada cuja Justiça parece perseguir apenas os "dispensados"...
Diz o Max, neste claríssimo post no Devaneios. Olho por olho, senhores, não em busca da justiça, mas da vingança e da prosperidade nos negócios.
Donald Rumsfeld, Bagdade, 1983; em nome do Presidente Reagan, exprimia então o "apoio do Povo Americano" ao regime de Saddam Hussein...
tudo surripiado ao Max
sábado, novembro 04, 2006
Es ist vollbracht.
Já está. Tomámos as nossas decisões. Os olhos entortam-se, vermelhos de chorar ao olhar para trás, ainda nublados ao olhar para a frente. Os dias têm sido noites, o céu está escuro e ainda é de manhã, e eu tenho um buraco imenso cá dentro que por vezes parece que nunca se vai tapar.
Se é com lágrimas que tenho de me limpar, assim seja.
Já está. Tomámos as nossas decisões. Os olhos entortam-se, vermelhos de chorar ao olhar para trás, ainda nublados ao olhar para a frente. Os dias têm sido noites, o céu está escuro e ainda é de manhã, e eu tenho um buraco imenso cá dentro que por vezes parece que nunca se vai tapar.
Se é com lágrimas que tenho de me limpar, assim seja.
sexta-feira, novembro 03, 2006
Tudo o que sabemos na vida
Uma visitante aqui da casa deixou-me um repto numa caixa de comentários: POR FAVOR ALGUEM ME DÊ UM BOM ARGUMENTO PARA VOTAR NO SIM.
Mas a razão principal para votar Sim, escreveu-a a própria no seu comentário: só sei que nada sei. É por isso que votar Não é intrometer-se na consciência individual das outras mulheres e cercear-lhes a mais elementar liberdade. É um acto de intolerância e tirania, independentemente do que queremos para nós, ou do que achamos correcto.
Eu, por mim, e considerando a vontade que sempre tive de ter filhos, ia viver muito mal com a decisão de interromper uma gravidez, muito dificilmente optaria por isso. Mas eu só sei de mim, e mesmo de mim sei tão pouco... como posso ter o direito de decidir pela minha vizinha, ou pela mulher que atravessa o meu caminho na calçada, de cuja vida, aspirações, medos e condicionantes nada sei? Pela mesma razão, é-me extremamente ofensivo ouvir seja quem for dizer que tem o direito de determinar o que eu posso fazer com o meu corpo, que tem o direito de ilegalizar, julgar e condenar uma decisão tão pessoal e tão difícil. É este o meu argumento central, e é este argumento que faz com que um Não de certezas [diferente de um Não de dúvidas, como parece ser o caso da leitora em questão] me seja impossível de respeitar. Os tiranos não se respeitam nem se convencem, infelizmente; combatem-se. Poucas lições a História tem deixado tão claras.
IVG: Em caso de dúvida, vote SIM.
Uma visitante aqui da casa deixou-me um repto numa caixa de comentários: POR FAVOR ALGUEM ME DÊ UM BOM ARGUMENTO PARA VOTAR NO SIM.
Mas a razão principal para votar Sim, escreveu-a a própria no seu comentário: só sei que nada sei. É por isso que votar Não é intrometer-se na consciência individual das outras mulheres e cercear-lhes a mais elementar liberdade. É um acto de intolerância e tirania, independentemente do que queremos para nós, ou do que achamos correcto.
Eu, por mim, e considerando a vontade que sempre tive de ter filhos, ia viver muito mal com a decisão de interromper uma gravidez, muito dificilmente optaria por isso. Mas eu só sei de mim, e mesmo de mim sei tão pouco... como posso ter o direito de decidir pela minha vizinha, ou pela mulher que atravessa o meu caminho na calçada, de cuja vida, aspirações, medos e condicionantes nada sei? Pela mesma razão, é-me extremamente ofensivo ouvir seja quem for dizer que tem o direito de determinar o que eu posso fazer com o meu corpo, que tem o direito de ilegalizar, julgar e condenar uma decisão tão pessoal e tão difícil. É este o meu argumento central, e é este argumento que faz com que um Não de certezas [diferente de um Não de dúvidas, como parece ser o caso da leitora em questão] me seja impossível de respeitar. Os tiranos não se respeitam nem se convencem, infelizmente; combatem-se. Poucas lições a História tem deixado tão claras.
IVG: Em caso de dúvida, vote SIM.
quinta-feira, novembro 02, 2006
Danceteria à maneira
Amanhã, no Jardim de Inverno do São Luiz, grandes artistas nacionais e internacionais, dj's-actores-trapezistas convivendo pacificamente com bailarinos-actores-cantores-ilusionistas. Para desopilar, não há melhor.
Contada a caixa, baixam-se as lonas, e oh ironia, era nas lonas que o circo se erguia...
Amanhã, no Jardim de Inverno do São Luiz, grandes artistas nacionais e internacionais, dj's-actores-trapezistas convivendo pacificamente com bailarinos-actores-cantores-ilusionistas. Para desopilar, não há melhor.
Contada a caixa, baixam-se as lonas, e oh ironia, era nas lonas que o circo se erguia...
Little big movie
Argumento brilhante. Diálogos [e silêncios] perfeitos. Elenco irrepreensível. Sensibilidade, mestria, humor, tragédia, quotidiano. "Everybody, just pretend to be normal!". Mas nada aqui poderia ser mais absurdamente normal.
Tenho um fraco especial por filmes que assim transformam os aparentes vencidos de uma sociedade derrotada em fabulosas figuras de subversão e desarranjo do pesadelo. Este é um dos filmes para a minha vida. Riso, choro, consternação, reflexão [de pensamento e de reflexo literal], asco, simpatia, desconforto, alegria. Lições de cinema, umas atrás das outras. Mais uma oportunidade para ver essa actriz maravilhosa que é Toni Colette. E mais um verdadeiro ensaio estético sobre as variáveis possíveis na distribuição de seis pessoas e uma pão-de-forma amarela num plano de cinema. Um petisco, senhores, um cálice de ambrósia destilado a partir dos mais puros hambúrgueres de carne de minhoca.
Argumento brilhante. Diálogos [e silêncios] perfeitos. Elenco irrepreensível. Sensibilidade, mestria, humor, tragédia, quotidiano. "Everybody, just pretend to be normal!". Mas nada aqui poderia ser mais absurdamente normal.
Tenho um fraco especial por filmes que assim transformam os aparentes vencidos de uma sociedade derrotada em fabulosas figuras de subversão e desarranjo do pesadelo. Este é um dos filmes para a minha vida. Riso, choro, consternação, reflexão [de pensamento e de reflexo literal], asco, simpatia, desconforto, alegria. Lições de cinema, umas atrás das outras. Mais uma oportunidade para ver essa actriz maravilhosa que é Toni Colette. E mais um verdadeiro ensaio estético sobre as variáveis possíveis na distribuição de seis pessoas e uma pão-de-forma amarela num plano de cinema. Um petisco, senhores, um cálice de ambrósia destilado a partir dos mais puros hambúrgueres de carne de minhoca.
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