quarta-feira, março 11, 2009

um corpo no passeio

dura a noite quanto eu quiser. nem menos um pingo, que está em mim o quebra-luz. mas lá fora não, lá fora amanhece quando eu não quero, escapa-se o sol à vontade, correm as matilhas, agacham-se os cobardes, de pé os que vivem em alta tensão. e ao fim da manhã pouco mais sobra que os corpos estendidos no passeio como gatos afogados e os pequenos remoinhos que se perderam do lastro em vertigem dos que escolheram viver.


Rossio, Fevereiro de 2009



GLUBB De qualquer maneira, amanhã vais enforcar-te na casa de banho.
KRAGLER E tu, estás a encostar-te à parede para que te fuzilem, homem?
GLUBB Pois. A manhã traz consigo muitos cheiros. Mas há sempre alguns que preferem acomodar-se na segurança.


Tambores na Noite, Acto V

terça-feira, março 10, 2009

l'acteur (se) montre


camarim 8


L'acteur doit montrer une chose, et il doit se montrer lui-même. Bien entendu, il montre la chose en se montrant, et il se montre en montrant la chose. Bien que ces deux tâches coïncident, elles ne doivent pas coïncider au point que la différence entre elles disparaisse.

Bertolt Brecht, traduit par Maurice de Gandillac, Rainer Rochlitz et Pierre Rusch.

coisas que vêm sempre a propósito




[porque há dias em que também a mim me apetece dizer, forgive me, Bird, wherever you are...]

mina sobre o douro


passeio alegre, 8 de março de 2009



a cada dia fica a luz diferente. ou os meus olhos. foco desfoco como se as pupilas fossem os manípulos e a própria lente. não olho só para onde me apontam. mas por vezes não creio, custa-me a crer, se é ouro que vejo, se é luz. porque não sei se é ouro que quero. porque este brilho rugoso que se espraia sobre os materiais não tem cotação de mercado. tal é o seu valor.

a frase da noite

A vida é uma doença sexualmente transmissível.




sala 51
hoje de março de 2009

segunda-feira, março 09, 2009

eu tinha perdido o meu boné.


fotografia de João C.


e hoje apareceu. ou melhor, fomos atrás dele. ainda estava tudo virado ao contrário. mas mais uma vez, com olhos claros e todo o amor que cabe no douro, me ajudaste a assentar os tacões sobre a tábua. as minhas viagens seriam tão mais incompletas sem ti.


Juan Muñoz — retrospectiva
Serralves, Museu de Arte Contemporânea
Fevereiro de 2009

domingo, março 08, 2009

aos impossíveis




... then I'll surrender.




[por um lado apetece-me escrever. por outro, tenho a cabeça demasiado cheia e as mãos vazias, ou por vezes o contrário. e todas as probabilidades são impossibilidades. há fases assim. é esperar que passe... e andar em frente, para sentir vontade.]

sábado, março 07, 2009

inocência

Quão estranha pode ser uma vida, quando a palavra "casa" remete tanto para um pedacinho luminoso de Lisboa com 100m2 como para o pé direito do Porto onde cabem seiscentas almas? Quanto amor se pode sentir por "um sítio"?







Hoje não há metropolitano. Hoje não há metropolitano, nem eléctrico, nem comboio urbano, o dia todo. Hoje está tudo de descanso, os comboios estão parados em todas as linhas, e nós, querida, circulamos por aí até ao cair da noite, como pessoas.

Tambores na noite, Acto V

sexta-feira, março 06, 2009

estou um bocadinho viciada... mas não muito. :)

aqui há dias dizia o penim que precisava de inimigos...

... eu acho que não preciso. Mas pronto, que posso eu dizer? Ainda me estou a rir e já saí do Bom Sucesso há duas horas. Que prémios, hã, de cinema? Loucura internacional? Jesus... ou Brama... ou Maomé, é indiferente. A ver: a história tem virtudes, e razões opostas engraçadas. Podia ser giro, mas nada é nada, e a única coisa que temos é a repetição de um esquema que fica deslindado logo ao início. Se temos um pouco mais é graças a Dev Patel, o actor principal, que é magnífico, e já está nas mãos do Shyamalan. É justo. Os putos são lindos. Mas o filme, ó senhores, tende paciência... A primeira meia-hora só desperta a vontade de ir rever o Cidade de Deus, daí para a frente é sempre a descer. O melhor que posso dizer é que Slumdog Millionaire, como telefilme, é um estouro. Só que o Óscar e o Globo de Ouro são prémios de cinema. Isso é que é chato. Pode baralhar o pessoal.


Tanta falta de talento num realizador só, mãezinha, tanto alvoroço por um tremoço... fiquei mesmo divertida no mau sentido. E depois fala-me o L. nesta coisa maravilhosa e eu lá consigo resistir a postá-la, Benny Lava?...





quarta-feira, março 04, 2009

puzzle sem modelo — começou a contagem decresente


camarim 8
hoje de Março de 2009

da nitidez

há momentos em que, olhando a imagem, não consigo perceber se há um elemento a mais ou a menos.

fevereiro já lá vai




Porto, Fevereiro de 2009

terça-feira, março 03, 2009

a frase

I'm me and I want to be me at any cost.



Juan Muñoz — retrospectiva
Serralves, Museu de Arte Contemporânea
24 de Fevereiro de 2009

segunda-feira, março 02, 2009

o pior

— Ora, só quando penso em ti é que me lembro dele.
— Pois, também me acontece. Só me lembro dele quando penso em mim.


[para a Dri, com beijos e saudades]

pode dizer-se que sim...

... que quase bastou. mas levo mais saudade do que trazia. sempre ausente... como o outro.

domingo, março 01, 2009

levar um recado

só para que saibas
vou entregar-te o recado
só para que o não negues
só para que não morra de negação
só para que se mate
uma vez mais
por volição.

vi-te chegar
vi-te fugir
vejo-te a tremer
as pernas bambas
imagino o teu sorriso-escudo
querendo, não sabe
querer,
fazendo, como sabe
fazer,
crescer o seu musgo
vejo o teu medo
as tuas pernas bambas
e não te vou ajudar.

longe vai o tempo em que te arrancaria
a língua
com um beijo se pudesse
agora guardo-os para mim
os beijos.
porque é o melhor que algum dia poderei fazer por nós.

às vezes quase lamento
ter perdido o medo.

o meu estado — questões de sobrevivência [uma fiona nunca vem só]

Túneis de chamas. Ou motins em restaurantes de beira de estrada. A imagem pode mudar de contornos, de estilo, de ambição metafísica. Só que em tragédia ou comédia, uns desembocam nos outros, uns apagam-se nos outros, uns reconstroem-se nos outros. Mas os auscultadores são meus. E o mundo também.




Lennon/McCartney, Across the Universe, por Fiona Apple
video de Paul Thomas Anderson

homecoming gift

Hoje, quando já estava a estacionar perto de casa, e depois de mais uma semana de loucos precedendo outra semana de loucos, a Radar ofereceu-me isto:




Só tenho o domingo. E na segunda vou considerar lucro se chegar inteira ao fim do dia. O espectáculo continua, em grande, em technicolor. Os tambores não tardam a rufar. Estou exausta. E no entanto parece-me que o domingo bastará.

sábado, fevereiro 28, 2009

o céu está vermelho.

adoro janelas grandes.

quinta-feira, fevereiro 26, 2009

take a peek — variação a partir de spartacus




I will only take a man who is strong enough to want to know all about me.


a frase

You're strong enough to be weak.




— há frases que só o amor pode produzir. Hoje acabei de rever Spartacus, vinte anos depois da primeira vez, vinte anos certos, com uma escala algures pelo meio que não sei localizar com precisão. E há obras que se vêem sempre pela primeira vez, ainda que haja deixas que ressoam, momentos que se comovem com o presente e a memória, cinema que já se respirou e que entra sempre nos pulmões como no primeiro grito. I'm Spartacus.





sequenza


Hallelujah (Leonard Cohen cover) - Beirut



Já me consegui confundir com um, levaram-me a sério, até pensaram que tinha bigode. Sobra-me o nome, desses tempos áureos em que corria por aí que eu era um verdadeiro sultão num harém de trutas. Tenho uma estranha identificação com os homens, mas cheira-me que é por exclusão de partes — na realidade é uma desidentificação do lado a que culturalmente não colo — ou não me deixo colar, ou não me consigo colar, sendo que na brincadeira do jogo social da sobrevivência, com eles tudo sempre foi mais simples. Divirto-me. Leio-os. E ao mesmo tempo protejo-me. As mulheres intimidam-me mais, e só à medida que fui crescendo fui percebendo que não eram elas que não gostavam de mim, era eu que tinha medo delas. E agora são-me mais fáceis, mais próximas, já me conheço melhor, já as leio melhor. Mas no geral continuam a meter-me medo, inexplicavelmente. Se calhar, na verdade, não me sinto nem uma coisa nem outra, e ao sentir isto estilhaço a minha própria generalização e percebo que a quantidade de homens que sempre me encheram a vida, com as mais diversas funções, entenda-se, é uma mera contingência. Se calhar foi mulher a mais, numa casa em que até o gato afinal era gata. Mas a verdade é que cá fora, e tirando tu, que sabes quem és, nunca guardei as mulheres, mas os homens. Se calhar era só isso, mais fácil. Pelo menos quando os jogos não se baralhavam, era mais fácil. Se calhar continua a ser. Não me parece que isto se resuma à mera felicidade hormonal.

Saio de uma casa de homens, entro numa casa de homens. E sinto-me em casa. No elenco há sobretudo homens, almoço com homens, bebo café com homens, janto com o homem do almoço, partilhamos favaios e ensaios e conversas sobre mulheres e homens. E dificuldades e facilidades e restos, saúde! E música. And well... maybe there's a god above, but all I ever learned from love was how to shoot somebody who outdrew you... E muito muito obrigada por estas Black Sessions.

as palavras e o acaso — os homens

O que é que eu sei sobre os homens? Pouco.
É verdade isto. Sei muito sobre as pessoas em geral, bastante até sobre a natureza humana, sobre os vários formatos, feitios, tamanhos, idades, proveniências, mas sobre os homens, mesmo, não sei lá muito. Por vários motivos. Na realidade, sei pouco sobre os homens porque as mulheres ocupam mais espaço na minha vida, porque me fascinam muito mais. Interessam-me mais as mulheres, o universo feminino, é sobre elas que sei. Sobre os homens posso dizer algumas generalidades, mas será que isso interessa? Sei-os, existem tantos, mas conheço poucos. Tenho a mania de gostar de conhecer a fundo, só dessa forma, o resto não me move. Faço isso com pouquíssimos homens, os dedos de duas mãos são demais para os contar. Sou, para o mal e para o bem, incontornavelmente selectiva. O número de homens que verdadeiramente me despertaram o desejo de os conhecer bem é muito reduzido.
Surpreendem-me e modificam-me porque a nossa natureza é uma e a deles é outra, claro. Emociona-me a capacidade de voo que alguns deles têm. Isso pode ser de uma beleza extrema. Mas também de uma grande violência. Philip Roth, n'A Mancha Humana, tem umas páginas sublimes sobre isto. Sobre a forma como os homens mergulham, a pique, como se mandam em frente. Nós temos um medo que nos ancora porque temos filhos dentro de nós durante algum tempo. Eles não, não têm esse agarramento à terra. Isso eu sei sobre eles.
Outra coisa é manterem sempre algo de criança, de miúdo pequeno. Mesmo. Daí que às vezes sejam mais transparentes do que nós, quase todos.
Outra é que facilmente se acomodam porque às vezes são pouco exigentes e deixam-se a querer só casa e conforto.
Outra é não saberem ainda como juntar corpo, emoção e razão.
Outra coisa que sei é que sabem focar-se melhor do que nós e ser mais egoístas e que por isso há-os brilhantes, fascinantes, maravilhosos e tão incompletos. São mais quentes, têm o sangue mais quente e têm mais força física que nós. E riem-se e auto-regeneram-se. Musil diz que as cidades, como os homens, reconhecem-se pelos passos. E é verdade, os passos dos homens identificam-nos, tal como a forma como se movem e se mexem e nos mexem.
Impressiona-me quando os vejo como fortes em praias isoladas e prisioneiros deles próprios. Marcam-me os poucos que conseguem conjugar a capacidade de sonho que têm, maior do que a nossa, mais pura que a nossa, com as dúvidas que os assaltam e mover o mundo a partir daí. Sei-os capazes das maiores delicadezas e arrebatamentos, mas também os sei distraídos e em círculo, sem verem que o que era já não lá está ou sem verem o que é fundamental. Têm uma doçura imensa, alguns, e quando vivem bem a sua sensibilidade, a de lá bem de dentro, sem medo, derrubam-nos.
Tenho dois filhos, ambos homens. Tenho aprendido muito com eles, mas só agora o mais velho fez 18 anos e o outro tem quase 14. São homens-semente, ainda. Mas está tudo lá. A força, o corpo, a cabeça, a química, o sonho. Penso sempre, redondamente, que aquilo que vierem a ser dependerá tanto das mulheres com quem se cruzarem.
É pouco o que sei sobre os homens.
Se gosto deles? Claro. Muito.


— escrito por Ana Sousa Dias a partir de uma conversa com Guta Moura Guedes, publicado na Pública de 18 de Janeiro de 2009. Fez comigo a mudança — dois homens ontem, outros dois homens hoje — porque sabia que o quereria postar, mais tarde ou mais cedo. Foi hoje. Porque, salvo uns quantos twists no argumento, que no meio desta ternura toda acabam por ser lã de cabra, eu poderia ter dito tudo isto e escrito qualquer coisa aproximada. E gosto mesmo quando as palavras vêm assim ter comigo. Muito. —

terça-feira, fevereiro 24, 2009

inutilidades — a propósito do príncipe rebelde

TRAPPOLO Só estou a ver que a minha presença aqui a esta hora e todos os dias da semana, é inútil.
RIDOLFO O teu chefe é que determina o que aqui é inútil.
TRAPPOLO E o que é útil, Deus Nosso Senhor.
RIDOLFO E a tua opinião não passa de música de fundo.
TRAPPOLO Devo limpar as mesas pela segunda vez esta manhã?
RIDOLFO Deixa, uma vez chega.
TRAPPOLO Estava a brincar.
RIDOLFO Tomaste essa liberdade.
TRAPPOLO Para animar o ambiente, que está pesado.
RIDOLFO Sentiste que era teu dever.
TRAPPOLO Então não quer que as minhas piadas animem o ambiente?
RIDOLFO Faz como quiseres.
DON MARZIO A esta hora da manhã, é logo aqui que se discute o mundo?...

O café [Das Kaffehaus — nach Goldoni] de RW Fassbinder, Acto I, trad. Cláudia Fischer



Há quem goste de dizer que a performance tem inevitavelmente uma raiz patológica, que o performer, para se colocar no risco como se coloca, só pode ter uma mais ou menos doentia necessidade de aceitação sublimada num público — não passamos de uma cambada de pintas com uma hipersensibilidade para o simbólico que não nos permite satisfazermo-nos com o casamento pela igreja, o baptismo dos rebentos, os carnavais, os cruzamentos de passarelas que se multiplicam pelos passeios e pelos locais públicos, as procissões, os comícios, os festivais de verão, as praxes, as pistas das discotecas, as máquinas de karaoke. Pintas e burros, irra, porque escolhemos a mais exposta das vias.


É tonto. Como qualquer generalização. Mas então juntêmos dois bem mais interessantes grupos a esta caricatura do que é estar num palco. O da exploração, o da pulsão do confronto, muitas vezes consigo mesmo e em si mesmo, mas há quantos séculos se repete inutilmente "conhece-te a ti mesmo" —sim, é mais com isto que me identifico, confesso que o que oiço de bom entra, passeia um bocadinho e deixa um aroma doce que embala a vontade para equilibrar e dissecar o que de mau fica [ou, como muito bem sintetiza a minha Rita, "tu andas é a fazer psicodrama, e ainda te pagam para isso!..."].

E por fim, este grupo do Rufus. Aqueles em que tudo se pode misturar, mas o que se respira é o puro gozo, a simples ausência de medo. Quem diz que a performance é uma patologia, não pressente que ela pode simplesmente ser um piscar de olho ao medo, e que há pouca coisa mais patologizante do que do medo. E o fogo que sai dessa temeridade aquece e queima, como fogo que se preza. Se tenho alguma ambição profissional, é essa. E se um dia aí chegar, logo vejo quanto tempo me apetece ficar. Depois, abro um café.



The Akara - Beirut

[estou viciada neste disco. nos dois. ai.]

com o céu aberto


Porto, 24 de Fevereiro de 2009

Casa nova, por dois meses antes da casa. Casa casa, casa clara, de janelas largas abertas à luz. Casa com história e estórias e ar limpo. Sem big brother. Sem cinzento nas paredes. Voltei ao coração da cidade, que é onde estou bem. De janelas abertas. Sem o meu João. Sem gatos cá dentro, mas com os sons da selva felina lá fora.




[ai, as saudades que este vídeo me dá... este senhor é daqueles para tomar em doses regulares, e já passou mais de um ano sobre a última dose.]