quarta-feira, agosto 13, 2014




Visto do público, parecia que não dirigia. Os gestos concentrados, frente ao peito, sob a curva da garganta dificilmente se viam para quem tinha à frente as suas costas. Mas a nós, tocava-nos como à sua flauta barroca. Nas subtis manifestações de grandeza que Bach pedia. Lembro-me do seu medo de voar que nos fazia atravessar a Europa de autocarro. Lembro-me da suicidal tour de 21 dias e 17 concertos, quatro deles no Japão, em que todos os dias alguém ficou doente... menos ele, apesar de beber até adormecer para poder ficar dentro do avião. Lembro-me das poucas palavras de que precisava para nos ligar a todos como corpo físico e vibrátil. Lembro-me no corpo da cruz de Santo André que era formada pelas primeiras três notas do segundo Kyrie, das asas de anjos que flamejavam no Sanctus. Éramos nós que as desenhávamos com a voz ao ritmo do seu gesto pequeno. Lembro-me no corpo de ter sido indescritivelmente feliz a fazer música. E das lágrimas correndo espontaneamente enquanto a voz segura sustentava a abóbada de som sobre a progressão dos baixos. Sanctus dominus deus sabbaoth. Frans Brüggen morreu hoje. Morreu-me um deus. E só me apetece cantar.