quinta-feira, dezembro 28, 2006

Se a Baixa se afundasse...

... continuaríamos a ter o Bairro Alto para recuperar almoços perdidos. Dos States, ali ao Campo Grande, até NY que está para breve, seja a distância qual for, o Telescópio voltou, olhando-nos de cima para baixo, com a lente de poeta, do topo do seu Arranha-céus. Mais uma vaga de Maio, na coluna de linques.

sábado, dezembro 23, 2006

Confissão orgulhosa para um natal ansioso

Um amigo dizia-me ontem que esperava perder a aposta que fez: a de que o SIM não vencerá no referendo de 11 de Fevereiro. Estou farta de levar lambadas, é esta a verdade, mas ainda assim não posso convencer-me de que os fala-barato que da praia se espantaram com o resultado do primeiro referendo sobre a legalização da IVG irão, novamente, deixar para os outros a tarefa de evitar pelo voto que morram e se humilhem mais mulheres [pagar cadeias para quem aborta, com os meus impostos?! Nem obrigada!]. Fora com o bafio. Fora com o conceito de mulher-incubadora. Às urnas em Fevereiro, senhores. Nada justifica a vergonha que se vive no país, nem o Salazar nem o Cerejeira nem o Guterres nem o Bentinho. Mão na consciência e vergonha na cara, é o que é preciso. E que cada ricaça que já pagou uma IVG em Madrid ou em Londres não consiga dormir depois de votar Não.

Eu, por mim, quanto mais vivo mais mais me angustio, mas também durmo cada noite melhor, de consciência tranquila. Não é, pois, para a limpar que volto a publicar esta confissão. É, isso sim, para relembrar que a realidade existe, não nas páginas dos livros sagrados, mas nas ruas, nas cidades, nos íntimos de cada cidadão, no corpo autónomo de cada cidadã - mulheres formadas, conscientes, cujo organismo sobrevive por si, que têm direito a decidir sobre si mesmas e a quem os estados-nação devem séculos de direitos e igualdade. Onde no texto abaixo se fala de "pró-vida", deve ler-se "pró-prisão", chamemos pois os bois pelos nomes. A minha consciência acarinha esta confissão. Que a vossa não acarinhe a humilhação quando forem chamados a dizer de vossa JUSTIÇA [pois que é disso que se trata], em 11 de Fevereiro.


Há um ano atrás, por esta altura precisamente, parti às três da manhã em direcção a Badajoz num Daewoo Matiz com uma amiga repousando no banco de trás a caminho de pôr em prática a decisão mais difícil da sua vida.

Há um ano atrás aguardava na sala de espera da Clínica dos Arcos observando em meu redor a quase totalidade de mulheres portuguesas, jovens e menos jovens, que aguardavam a sua vez, e de pais mães irmãos namorados amigos maridos portugueses que aguardavam como eu, sem saber que mais fazer para minorar aquela etapa terrível para além de estar presente de corpo e alma. E compreender. E acompanhar. E ter compaixão. É curioso que escasseiem tanto estas capacidades nos abusivamente auto-intitulados de Pró-Vida. Perdoem-me, não é curioso. É revoltante.

Há um ano atrás, escutando a descrição feita pela minha amiga do acompanhamento social, psicológico e médico que a clínica em questão fornece e observando ainda assim o seu sofrimento, muito me revoltei sobre a imoralidade que é penalizar as mulheres ainda mais, obrigando-as a agir fora da lei, a maioria das vezes na vergonha e no isolamento e sem o mínimo de dignidade ou segurança. E pensei nos países que já ultrapassaram o problema, em que a legalização do aborto correspondeu a um menor recurso ao mesmo. Países em que as leis não se submetem eternamente ao obscurantismo e à prepotência de uns quantos que se consideram detentores de uma moral superior e designados por não sei quem para serem os guardas da função sagrada da maternidade de qualquer mulher, seja qual for o seu credo, cor, religião, personalidade, opinião pessoal, quaisquer que sejam os seus sentimentos mais íntimos. Gente que não entende o significado da palavra cristianismo. E para quem a democracia é a parca liberdade dos outros terminar onde começa a sua ampla, pura e santa liberdade. Não tem outro nome o que se passa em Portugal: é fascismo sexual e reprodutivo.

Há um ano atrás, como hoje, não senti vergonha de ser portuguesa. Mas senti vergonha do estado do meu país.


texto escrito em Setembro de 2004 e originalmente publicado AQUI








IVG: Em caso de dúvida, vote SIM.


... E bom solstício de inverno para todos!

terça-feira, dezembro 19, 2006

Em casa


Alcântara, 19 de Dezembro de 2006

Se uma gaivota viesse
Trazer-me o céu de Lisboa
No desenho que fizesse
Nesse céu onde o olhar
É uma asa que não voa
Esmorece e cai no mar.

Se um português marinheiro
Dos sete mares andarilho
Fosse quem sabe o primeiro
A contar-me o que inventasse
Se um olhar de novo brilho
No meu olhar se enlaçasse

Que perfeito coração
No meu peito bateria
Meu amor na tua mão
Nessa mão onde cabia
Perfeito o meu coração.

Se ao dizer adeus à vida
As aves todas do céu
Me dessem na despedida
O teu olhar derradeiro
Esse olhar que era só teu
Amor que foste o primeiro.

Que perfeito coração
Morreria no meu peito
Meu amor na tua mão
Nessa mão onde perfeito
Bateu o meu coração.

Alexandre O'Neill/Alain Oulman

08 Gaivota.wma

aqui na voz da minha maravilhosa vizinha e amiga Luísa Cruz e nos dedos do mais lindo dos americanos em Paris, Jeff Cohen

domingo, dezembro 17, 2006

Ultima parada en el andém con otro humo y otra pena y otro trén para la espera...


TNSJ, Porto
17 de Dezembro de 2006


Si el bandoneón me provoca, le muerdo fuerte la boca!

sexta-feira, dezembro 15, 2006

2 º


Rua Augusto Rosa, Porto
14 de Dezembro de 2006



Dentro do teatro navega-se pelo Río de la Plata, cá fora, só o jornal traz ecos do hemisfério sul. Este é o outro lado da rua da Paulista, dormitório gelado com as Marías por cabeceira. Sinto-me estranhamente integrada no frio agreste que deveria enregelar-nos até aos ossos da indiferença.

domingo, dezembro 10, 2006

Pastelaria Paulista

A Paulista é paragem mais ou menos obrigatória para quem trabalha no pequeno grande teatro do outro lado da Augusto Rosa. Uma boa sopa que disfarça o almoço que não houve, os croissants e o pão-de-ló que salvam as tardes de sapa quando a dona Júlia faz folga e o bar do pessoal é apenas uma sala marmórea e fria. Ao meu lado, no balcão, um homem tisnado, de idade indefinida, nem muito sujo nem muito lavado, nitidamente um cliente habitual, personagem natural do mundo particular e heterogéneo que é a Praça da Batalha. Com tom familiar, dirige-se à empregada.
- Como é que se chama?
- O quê - brinca ela, castiça -, como é que eu me chamo?
- Não, o bolo.
- Ah, o bolo chama-se "delícia".
- Então era uma delícia, menina Eva, que o seu nome sei-o de trás para a frente.
- Ah sim? E como é o meu nome de trás para a frente?
- Ave!
Os risos da empregada, que se empertiga para a resposta; e eu aguardando o inevitável "Avé, César!". Mas ela troca-me as voltas ao riso:
- Avre-te, sésamo! -, diz, sorridente.
E ele logo, muito solícito, a corrige:
- Ave-te, Eva!