segunda-feira, agosto 31, 2009

repito-me...




... porque é assim que me apetece começar o ano. e porque uma das pessoas que mais me faltou à noite de 28 veio hoje, pela primeira vez, cheirar-me os cantos à casa. e porque é bom quando saem quatro pessoas e a casa fica cheia na mesma, entre duas humanas e três gatos. cheia de riso e de tudo o mais de que ele é sintoma.

quinta-feira, agosto 27, 2009

às vezes o tempo certo não é o tempo pré-determinado

Aqui é onde vivo e é quasi primavera. Vê-se.
Antigamente, isto é, antes, as coisas deste lugar, as pedras, as plantas, os sons, tomavam-me como se de passagem.
Agora vivo aqui. Perceberam que vivo aqui.
Viver num lugar obriga a acertas atitudes conjugadas com esse lugar.
Tenho que estar atenta.

Há aqui uma velha glicínia que se finje morta.
Dos velhos troncos da glicínia espreitam-me uma infinidade de olhos e eu tenho que estar atenta.
Eu sei que subitamente, julgando-me desprevenida, ela vai estalar.
De riso para me perturbar.
Pela manhã estará cheia de flores abertas, feliz por me ter enganado fingindo-se morta.
Porque nunca vivi aqui antes e ela floriu para outros cada ano e eu não sei os seus costumes, nem sei como os outros para quem ela floriu antes aceitavam o seu jogo de florir e se ela se fingiu morta cada ano para eles como este ano se fingiu morta para mim, não sei se deva mostrar-lhe espanto.
É uma velha glicínia...
Os velhos (que idade tenho hoje?), os velhos gostam que se mostre espanto pelas coisas que fazem e pelas coisas que fizeram, como se as fizessem ou tivessem feito de uma forma única, pessoal, descoberta por si próprios ao longo do esforço do seu esforço de viver.
É uma velha glicínia.
Devo, portanto, mostrar-lhe espanto pela sua renovada novidade de florir.

Que idade é preciso ter para saber coisas como estas pequenas coisas, tais como perceber o que as criaturas não querem que se perceba abertamente, mas sim de uma maneira adivinhada e não dita?
Afinal sou muito mais velha do que a velha glicínia. Porque os velhos são sábios. Além de pueris.
Quando lhe mostrar espanto por vê-la florida serei tão velha como se sua mãe.
Mas o gosto de a ver florida far-me-á tão nova como cada uma das suas flores novas.

Ontem floriu neste lugar a grande amendoeira.
Que idade tinha eu ontem (ou no mês passado), quando floriu a grande amendoeira de flores brancas?
Floriu para mim, suponho. Gostei muito.
Encostei-me ao seu tronco e olhei para cima.
Ela arredondou-se como uma grande esfera, como uma cúpula de flores brancas e riu-se de gozo.
Pensei nas coisas deslumbrantes que me dão.
Pensei no que me tens dado.

Depois disso floriu a amendoeira das flores cor de rosa.
Mas essas, as flores cor de rosa, correram por aqui e por ali por entre as ramadas das oliveiras para me fazer rir, para que eu as procurasse uma a uma por entre as ramadas das oliveiras.
Eram flores para os olhos e para o riso, enquanto as outras, as flores brancas da grande amendoeira, eram flores tranquilas para o conjunto de ver, de respirar, de amar as coisas em volta, mesmo as coisas que não tinham que ver com a grande amendoeira e a sua cúpula de flores brancas.

Que idade tive nesses dias?
Menos talvez do que amanhã ou talvez incrivelmente mais.
Que idade terei amanhã?

Que idade tenho quando te vejo do meu lado esquerdo?
Isso não tem que ver com a idade que terei amanhã. Nem com a idade que tive ontem.
Mas tem seguramente que ver com a idade que tenho hoje.
Com a minha idade de todos os dias que são exactamente os dias de hoje.
Chamo dias de hoje aos dias que decorrem dentro de uma grande lucidez.
Forçosamente, coloquei-te dentro dos dias extremamente lúcidos.
Hoje.
Olhando-te vejo-te imóvel na tua idade inalterável.
Vejo o teu lado direito.
Nunca me será dado ver o teu lado esquerdo. Porque, mesmo que abrisses para mim as tuas janelas, eu só poderia ver nelas, olhando-as, o teu rosto.
Um rosto é uma peça hermética.

É de difícil acesso, o nosso lado esquerdo.

Tu pertences aos dias extremamente lúcidos e agora estou falando apenas nos dias das minhas idades mutáveis e incertas e deste lugar que vivo agora onde me permito sair do tempo às vezes.
E nada me impede de fazer anos amanhã. Ou depois de amanhã. Vou festejá-los como é costume, em superfície e no primeiro plano.


in
Árvores de Domingo, Maria Keil



Gérard Castello-Lopes, Lisboa 1956

dois pontos.

ponto 1. Quando eu tinha onze anos, obrigaram-me a repetir uma prova de velocidade porque não era possível que eu tivesse tido tempos melhores que os rapazes todos. Claro que os meus tempos repetidos foram piores que os primeiros, sob a desconfiança geral da turma e da professora pressionada a repetir porque o cronómetro estava avariado de certeza. Só alguns anos depois consegui fazer sentido desse pequeno acontecimento.




ponto 2. Mulheres com mais testoterona que o normal sempre existiram, mas escondem-se. Semenya está à vista e impõe-se. A diferença é essa. Em vez de ser a mulher barbada de um circo ou mendicante nas ruas, pulveriza os tempos considerados aceitáveis para "o sexo fraco" [aqui aplica-se às mil maravilhas]. Se se tratasse de uma mera e lícita desconfiança não se tinha montado este circo todo à volta da mulher que só pode ser homem. Se o freak não vai ao circo, o circo vai ao freak.

Digo eu.

um novo ano...

... estás prestes a começar.

o portador de água

A brisa sopra de T'ai Chi — na montanha,
Ch'ien e K'un estão juntos em ti,
Sol e lua — homem e mulher,
Ela está em ti e tu nela.
O teu começo está novamente em ti —
A bênção do ar é como uma pérola entre os dois.

E ao longo da estrada poeirenta, como conta a história,
Chega um homem à tua aldeia transportando água
Saúda-te silenciosamente com os seus brilhantes olhos azuis,
O céu com uma capa à volta dele, atrás dele.

E dá-ta.

in
I-Ching, o livro das mutações, Hexagrama 11 — T'ai



Hotel Royal, 1999
foto de Rodrigues
lá em baixo, no Jardim Vasco da Gama, os leques vermelhos acordavam connosco às oito da manhã, transportando na sua leveza lenta todo o peso do ar.

segunda-feira, agosto 24, 2009

le chat sur les mur murs

havia a fotografia. e a ela, com tanto Avignon dentro da objectiva, faltavam-lhe as palavras. e se no fim da imagem encontrasse as palavras, ela confiava encontrar também o cinema. depois descobriu que não era bem assim. e no caminho para essa viuvez branca da inocência que se quer perdida, construíu-se em ruas e areia, em vagas sucessivas, em espelhos, em amor e perda, na doença, no documento dos filhos que lhe cresceram na película. e tudo está ali resumido, a velha de costas e o pequeno Jacquot ausente, a imagem parece geométrica, mas o pé esquerdo apoia-se no ferro e o direito encosta-se àquele discreto desequilíbrio que subverte essa aparente solidez da imagem. a imagem tomba. e pode bem passar por nós sem que notemos porquê. e tudo se me resume ali. na velha branca encapuzada, na viúva branca sentada na sua cadeira, no pequenino desequilíbrio de traços que lhe assina a imagem.






mas no fundo não é mais do que isto. le film d'une petite vieille bien-vivante, une cinéaste qui aime faire du cinema. só isso. porque nisso está tudo.

escada 3 — as duas luas

Carousels twirl all around exited youth/I do not mind at all/We’re tonight in a world full of thrills - it can carry me up, far above it all.

It’s a long way down from here to the sound/Watch the faces go ‘round
to the stars/then the ground.

Ferris wheels carried us away/not so long ago/Times I’ve betrayed/Where would we be now if I had taken your hand?/Well the years they pass by slow/don’t they?

It’s a long way down from here to the sound/Watch the faces go ‘round
to the stars/then the ground.



Carousels - Beirut

vê, é este o caso. fazes contas à luz e vês de que lado estás e de que lado podes estar. giras-lhe o compasso e a vista é outra, o reflexo extenuado não fura a penumbra, ténue, cada vez mais ténue. é a diferença entre teres o primeiro degrau no chão ou já a meio caminho, atenuado na medida em que sobe enquanto desce. na projecção da caverna, as duas luas riem-se da forma uma da outra, cada uma julgando-se a própria, a impostura esquecendo que quem não vê formas não vê corações, ainda que estes fluoresçam. vê, é este o caso. rectângulos são construção, círculos inevitabilidade. e nada mais pende do teu tecto além do teu próprio casquilho.




rumo do fumo, Julho de 2009

quinta-feira, agosto 20, 2009

segunda-feira, agosto 17, 2009

'cuz if we ain't we're murderers.




Boa semana!


[bem-vinda, Puto. :)]

sábado, agosto 15, 2009

post em feicebuquês — em que estás a pensar?

Manel acha a lei da vida uma grande foda. e também acha indecente que a Isabel Alves Costa ainda tenha visto morrer o seu Rivoli antes de si. e está triste, para além de tudo. e cá fica, a pensar no Porto.

sexta-feira, agosto 14, 2009

quinta-feira, agosto 13, 2009

You is nothing and still there is nothing but You.

The Brain — is wider than the Sky —
For — put them side by side —
The one the other will contain
With ease — and You — beside —



The Brain is deeper than the sea —
For — hold them — Blue to Blue —
The one the other will absorb —
As Sponges — Buckets — do —



The Brain is just the weight of God —
For — Heft them — Pound for Pound —
And they will differ — if they do —
As Syllable from Sound —

Emily Dickinson


AQUI está a nascer um espectáculo.

boca — variação






Tell Me Where It Hurts - Kevin Blechdom

segunda-feira, agosto 10, 2009

no surprises



que me custe respirar na proximidade.
que estiques o pescoço na distância à procura de um olhar.
que eu não o faça.
que não venhas, que não cruzes e nunca possas saber que não te fugi, simplesmente não te procurei.
que não tenhas coragem de descobrir se eu te responderia caso me dissesses olá.
que não intuas porque é o olhar na distância apenas mais uma peça do jogo que eu recuso.
que tenha de te manter calado na minha cabeça para que ela não se afogue uma e outra vez.
que o aquário redondo não vaze de repente.
que a noite me tire o tapete e a luz te projecte nos meus olhos.

sem surpresas, portanto.


...

emagreceste.

you can't beat me, for I am your lord.




... well, lord, you're in the wrong place tonight.

domingo, agosto 09, 2009

forever undead




[but there must be some kind of new life in the aftermath...]

sábado, agosto 08, 2009

do pastoreio

vejo e não se perde nas artes do pastoreio. as antenas vibram. captam todos os sinais e o único erro está em fechá-los. tranquilizam-se os lábios, abranda o coração. entre iguais é mais fácil.

semicerrado

[vi. mas ainda me custa olhar.]

o projector



valeu a viagem antecipada umas horas para o cheiro possível. búfalos em colisão. o almodôvar toca sax alto. o violoncelo enrola-se no corpo que se enrola nele. o baterista possante faz vir toda a sua música na subtileza das vassouras. e o piano desconstrutivista não consegue resistir a impôr o seu romantismo. e de repente sente-se uma luz inesperada a acariciar a têmpora direita, e espontaneamente o pescoço move-se para descobrir que o projector é aquele que ninguém liga e que chega ao concerto quando bem entende. três noites e muito sol, jazz no vento ao regresso. pois, foi pouco. mas foi na lua cheia, pode ser que chegue. amanhã recomeça a engrenagem. ala arriba.


Gulbenkian, 7 de agosto de 2009

terça-feira, agosto 04, 2009

magritte em lisboa


Lisboa, 2 de agosto de 2009



gosto. assim, camada de luz, camada de sombra, pontos de luz, reflexo na fachada. resumo de cidade. o risco fez-se cheirar, passou a poucos milímetros da nuca, e eu entro em agosto. ela ficou para trás, o risco instalou-se-lhe por dentro, ela foi para a frente e deixa peitos vazios. e eu fico assim, em estupefacção, em aperto, em saudade dos que vão ficar, em braços para as lágrimas que me procuram. e nem falo. não posso. é muito. entro em agosto. resumo para mim. e chega.

domingo, agosto 02, 2009

entre os leques

nem sempre é com as mãos que consigo. observo os meus dedos e os limites são o que lhes é tudo. e é assim, resignação em pele. tanto que começa e acaba com este mês e que não cabe nas mãos, e que não se gasta num toque, num afago, tanto que só agora começou. incerteza — e a dúvida a rir-se. e muito calor na água fria. e cabelos ruivos, luz de sol, numa escova. e um mamilo com glitter vermelho. e olhos grandes e corações do tamanho dos olhos a bombar sob um par de baquetas que tocam orquestras inteiras, e a voz a esticar com o corpo que entre os lábios se fala, e apenas porque sim, porque está lá e funciona e mexe todos os dias, dá ao rabo, morde. amigos não se fazem, reconhecem-se. e pouco tempo para pousar e o sul e ao sul à espera e em espera. e eu. outra vez com aquele ar de macau em outubro, a olhar pela janela, a sentir os pés descalços na madeira. e a tentar ver-me entre os leques na praça lá em baixo.

quando entro nesta passadeira...




... parece que não há maneira de sair.